sábado, 28 setembro 2024

Jogo do Brasil foi teste de Bolsonaro contra Globo

A surpreendente transmissão da partida entre as seleções brasileira e peruana pelo canal estatal TV Brasil, na terça-feira, foi um primeiro teste do uso político do futebol pelo governo Jair Bolsonaro e se insere na disputa entre o presidente e a Rede Globo.

Sem dinheiro ou estrutura para competir no mercado, o governo conta com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) para fazer novas jogadas pontuais, sejam elas transmitir outros jogos da seleção ou ampliar a veiculação das séries inferiores do Campeonato Brasileiro.

O objetivo: incomodar um mercado em que a Globo dá as cartas e, de quebra, fazer propaganda do governo aproveitando a inédita audiência insinuada pelo experimento desta terça.

O jogo em Lima, válido pelas eliminatórias da Copa-2022 e vencido por 4 a 2 pelo Brasil, não ia ser transmitido em TV aberta no País, apenas em canais fechados e por streaming pago na internet.

O problema, segundo a Folha de S. Paulo ouviu de envolvidos nas negociações, foi o preço pedido pela Federação Peruana de Futebol, mandante da partida, pelos direitos de transmissão: astronômicos US$ 2,5 milhões (cerca de R$ 14 milhões).

Com o não da Globo e de outras emissoras consultadas, o valor caiu pela metade, mas ainda assim foi considerado irreal.

A emissora fluminense prefere trabalhar com pacotes, e comprou os direitos dos nove jogos da seleção como mandante nas eliminatórias por um preço que o mercado estima em US$ 8 milhões (quase R$ 45 milhões).

Com o impasse, o governo viu uma janela de oportunidade.

Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro tem uma relação conflituosa com a Globo, de quem prometeu cortar verbas de publicidade estatal quando eleito.

Ao longo do governo, emissoras mais próximas do governo, como a Record e o SBT, viram crescer sua fatia de publicidade estatal, enquanto a líder do mercado a viu reduzir.

A Secom (Secretaria de Comunicação Social) foi ocupada por Fábio Wajngarten, que é visto na Globo como um adversário aberto da emissora, crítico contumaz dos procedimentos do mercado publicitário de televisão no País.

No rearranjo feito para acomodar o PSD no governo, a Secom foi incorporada ao Ministério das Comunicações e Wajngarten virou secretário-executivo da pasta liderada pelo deputado Fábio Faria (RN).

Wajngarten procurou a CBF para saber sobre as condições de transmissão. Sem receber uma resposta, o secretário postou no Twitter a ideia.

A confederação então afirmou que nada poderia fazer, dado que os direitos eram dos peruanos.

DE GRAÇA

Como sempre nesse mercado, a opacidade impera e valores não são explicitados. Ao longo do dia, o silêncio imperou até que, às 19h50, o presidente da CBF, Rogério Caboclo, procurou o governo para informar que havia conseguido a liberação do sinal para uma TV pública, de graça.

O jogo começaria às 21h, e foi montada uma operação emergencial para a transmissão.

O veterano comentarista esportivo Márcio Guedes, que passou pela finada Rede Manchete, foi chamado – ele já faz parte do quadro da TV Brasil.

Aí entrou a sorte. O jogo, em que o Brasil ficou atrás no placar duas vezes, tinha tudo para ser um mico. Mas Neymar acabou brilhando com 3 dos 4 gols brasileiros, superando a marca de Ronaldo como segundo maior artilheiro da seleção.

Isso acabou se refletindo na audiência. A TV Brasil é conhecida como TV traço, por não ser assistida por ninguém. Com o jogo, alcançou segundo dados preliminares 3 pontos em média na Grande São Paulo, ocupando o quarto lugar no quadro geral. Em Brasília, bateu 8 pontos e ficou atrás só da Globo.

Com o palanque montado, veio a propaganda. Além dos “abraços” enviados pelo narrador André Marques para Bolsonaro, além de agradecimentos a Caboclo e Wajngarten, que deram um indisfarçável gosto de anos 1970 à transmissão, o intervalo foi ocupado parcialmente por uma boletim improvisado trazendo notícias positivas sobre o governo.

No Palácio do Planalto, a operação de guerrilha foi vista como um sucesso. Obviamente, não há a pretensão de ocupar o espaço da Globo, mas a ideia é difundir a tese segundo a qual o mercado seria monopolizado pela emissora do Rio e que isso pode ser desafiado.

Postagens bolsonaristas em redes sociais já na noite do jogo iam nesse sentido. O governo identifica fissuras na histórica aliança entre a CBF e a Globo que podem ser exploradas pontualmente.

A reportagem procurou Wajngarten para comentar a estratégia, sem sucesso.

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