Conversas circulam em redes sociais; pedido do presidente provocou racha na paralisação
Leonardo Sakamoto
Folhapress
Caminhoneiros que trancam rodovias em apoio a Jair Bolsonaro se dividem diante do áudio do presidente pedindo para que voltem ao trabalho, divulgado nesta quarta (8). Parte não acredita e acha que a mensagem é falsa, outros avaliam como uma estratégia para que ele justifique o uso das Forças Armadas nas ruas e há quem defenda simplesmente que o governante está sendo “frouxo” após ter começado um “treta”.
Pelo menos é o que mostram áudios de grupos de caminhoneiros em aplicativos de mensagens aos quais a reportagem teve acesso. Veículos estão bloqueando rodovias em 15 estados no rescaldo das manifestações golpistas de 7 de setembro puxadas pelo presidente. Com isso, cidades já registram desabastecimento e aumento no preço da gasolina.
“Sinceramente, se nosso presidente falou isso, se o Tarcísio [Feitosa, ministro da Infraestrutura] falou isso, estão sendo muito frouxos. Começa uma treta, não consegue manter? São frouxos! A gente está com eles, e agora começando uma treta que os caminhoneiros não vão parar tão cedo. Agora, já que falaram pra caralho, assume a porra da bucha!”, afirma um dos áudios, representativo desse posicionamento.
“Tamos com eles, não largo mão, tamo junto… Só que começaram com uma classe que não vai parar tão cedo. Agora segura firme, porra!”, diz outro áudio. Marcos Antônio Pereira Gomes, o Zé Trovão, que apresenta como líder dos caminhoneiros, divulgou um vídeo em que cobra uma posição do presidente Jair Bolsonaro:
Pautas como a redução no preço do combustível e outros direitos da categoria estão listadas em reivindicações, mas, ao contrário do movimento de maio de 2018, a principal demanda agora é política. Os paralisados apoiam Bolsonaro e pedem o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. São caminhoneiros autônomos, mas também empresas ligadas ao agronegócio.
A inflação da gasolina, do gás de cozinha, da energia elétrica e dos alimentos tem ajudado a correr ainda mais a imagem do governo federal. Bolsonaro teme por uma queda ainda maior em sua popularidade junto à base mais pobre da população, que sente mais os efeitos.
“Fala para os caminhoneiros aí que eles são nossos aliados, mas esses bloqueios aí atrapalham a nossa economia. Isso provoca desabastecimento, inflação, prejudica todo mundo, em especial os mais pobres. Então, dá um toque nos caras aí, se for possível, para liberar, tá ok? Para a gente seguir a normalidade”, afirmou Bolsonaro em um áudio enviado à categoria nesta quarta (8).
Ele ainda diz que é para os caminhoneiros deixaram que as discussões políticas sejam tratadas em Brasília. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Feitosa, gravou um vídeo para atestar que o áudio é realmente de Bolsonaro.
“O áudio mostra a preocupação do presidente com uma paralisação dos caminhoneiros. A paralisação ia agravar efeitos da economia, inflação, que ia impactar os mais pobres, os mais vulneráveis”, disse. O governo afirmou, na manhã desta quinta (9), que Bolsonaro se reunirá com representantes da categoria para tentar suspender as paralisações.
Há quem duvide
Há caminhoneiros que duvidam que o áudio do presidente pedindo a volta ao trabalho seja real e não resultado de alguma fake news. Ironicamente, o uso de áudios falsos distribuídos em aplicativos de mensagens foi uma das armas utilizadas pelo bolsonarismo na eleição presidencial de 2018.
“O presidente tem total liberdade de falar em cadeia nacional. Se ele tiver que mandar um recado, ele vai abrir o canal dele, vai falar para gente o que precisa falar. Por que tem muita gente que imita a voz do Lula, do Bolsonaro, que qualquer pessoal. E acaba sendo fake news“, afirma, por exemplo, um dos áudios.
“Então não vamos acreditar nessas coisas não. Vamos ficar tudo paralisado certinho e vamos esperar o que o presidente vai falar. O que ele falar, a gente vai cumprir. A gente não tá fazendo essa greve para isso?”, completa.
Também há um subgrupo que acredita que isso pode fazer parte de uma “estratégia” de Bolsonaro para colocar os militares nas ruas sob a justificativa de garantir o funcionamento do país, utilizando um decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).
Uma das principais demandas dos bolsonaristas mais radicais é um golpe com a ajuda das Forças Armadas para emparedar os poderes Judiciário e Legislativo e garantir que o presidente governe ao arrepio da lei.
Entre aqueles que acreditam na tese de Bolsonaro estar colocando em curso uma estratégia, há os que confiam que ele nunca trairia o movimento, uma vez que foram os caminhoneiros que ajudaram a elegê-lo. Por exemplo, um dos áudios avalia que esse “abandono” seria “covardia” ou loucura.
“Se falou, é estratégia, entendeu. Ele não vai abandonar, não. Ele não é doido, cara. Ele sabe que quem apoiou para colocar ele lá foram os caminhoneiros. É quem mais deu apoio a ele. Ele não vai fazer essa covardia, ele não é doido, não é doido… Não acredito que ele faça não”, diz.
As manifestações não são puxadas por nenhuma entidade de classe da categoria e sua adesão ainda é pequena em comparação a maio de 2018. Apesar de ter tido sua prisão decretada pelo STF, “Zé Trovão”, como é conhecido Marcos Antônio Pereira Gomes, continua publicando vídeos nas redes sociais chamando outros caminhoneiros a bloquearem estradas.
A prisão foi pedida pela Procuradoria-Geral da República e determinada pelo ministro Alexandre de Moraes. Ele é acusado de promover incitação de atos de caráter golpista. No último vídeo divulgado nas redes, ele afirma:
“A partir das seis horas da amanhã, do dia 9 de setembro, todas as bases brasileiras: fechem tudo, não passa mais nada. Somente ambulância, oxigênio e remédio. Acabou, não passa mais nada. Estão brincando com a democracia, nos tirando de otário. Nós precisamos resolver o problema do Brasil, agora, nesta semana. Chegou a hora de mudarmos tudo de uma vez. Povo brasileiro: vá amanhã para as ruas ajudar os caminhoneiros. É para trancar tudo. Vamos embora. Vamos salvar o Brasil. Fecha tudo”, disse Zé Trovão.