quarta-feira, 27 novembro 2024

Justiça condena União, Funai e MG por violações a indígenas na ditadura

Ação civil foi movida pelo Ministério Público Federal  

Indígenas do povo krenak – Reprodução

A Justiça Federal de Minas Gerais condenou a União, a Funai e o governo do estado por violações aos direitos humanos e crimes cometidos contra os krenak —povo indígena que vive na região do Vale do Rio Doce, em Minas— durante o período da ditadura militar. A ação civil pública foi movida pelo MPF (Ministério Público Federal).

O MPF diz ter apurado indícios de violações aos direitos indígenas ocorridos no Reformatório Agrícola Indígena Krenak, em Resplendor (MG), entre os anos de 1969 e 1972. Foram apontados, por exemplo, o confinamento de diversos índios — expulsos de suas terras— na Fazenda Guarani, em Carmésia (MG), bem como a criação da Grin (Guarda Rural Indígena).

Na decisão, publicada na última segunda-feira (13), a juíza Anna Cristina Rocha Gonçalves, da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, determina a realização de “cerimônia pública, com a presença de representantes das entidades rés, em nível federal e estadual, na qual serão reconhecidas as graves violações de direitos dos povos indígenas, seguida de pedido público de desculpas ao Povo Krenak”.

O evento deve ser realizado em um prazo máximo de seis meses, após consulta prévia às lideranças indígenas. A Funai também terá de “estabelecer ações de reparação ambiental das terras degradadas pertencentes aos Krenak”.

Na sentença, a juíza determina ainda que a Funai e o estado de Minas devem implementar, em conjunto e mediante efetiva participação do povo Krenak, “ações e iniciativas voltadas ao registro, transmissão e ensino da língua krenak, de forma a resgatar e preservar a memória e cultura do referido povo indígena, com a implantação e ampliação do Programa de Educação Escolar Indígena”.

A União deve também “reunir e sistematizar toda a documentação relativa às graves violações dos direitos humanos dos povos indígenas e que digam respeito à instalação do Reformatório Krenak, à transferência forçada para a fazenda Guarani e ao funcionamento da Guarda Rural Indígena, disponibilizando-os na internet, no prazo de 6 meses, em endereço eletrônico específico, para livre acesso do público”.

A Justiça também reconhece a existência de relação jurídica entre o réu Manoel dos Santos Pinheiro e a União, a Funai e o estado de Minas, “aquele como agente público responsável, em nome dos entes públicos ora discriminados, pela prática de atos de violações de direitos dos povos indígenas”.

Índios eram torturados na ditadura

Grupos indígenas, que reivindicaram a participação direta em suas terras, foram alvos da ditadura militar brasileira. Como consequência, campos de concentração e de trabalhos forçados eram criados para indígenas considerados uma ameaça para o governo militar, conforme relata o site Aventuras na História.

É o caso do Reformatório Agrícola Krenak, uma prisão sumária estabelecida em Resplendor – Minas Gerais em 1969 (ápice dos Anos de Chumbo). O local foi instalado como um acordo entre a Funai, associada aos donos da terra, e a PM de Minas Gerais. Seu principal objetivo era a contenção e o disciplinamento de índios, das mais diversas comunidades e etnias.

Esse reformatório, fundado pelo capitão da PM Manoel Pinheiro, surgiu sob o argumento de que o governo, desde 1966, estaria preocupado com a situação dos indígenas no campo e este seria um esforço de auxílio e assistência aos povos indígenas. Também haveria um projeto para reeducar nativos que praticassem delitos. Uma farsa.

O local foi um mecanismo punitivo e de repressão com o objetivo de prender arbitrariamente indígenas de todo o país e controlar os movimentos de resistência contra o avanço dos grileiros e latifundiários, que governavam ao lado dos militares num projeto de acumulação fundiária e financeira.

Devido a artifícios jurídicos do governo, os índios presos em Krenak não tinham direito a julgamentos ou apoio da Justiça. Tampouco havia previsão para a liberação dos contidos. O grande critério para a prisão de indígenas no campo eram a própria PM e a Guarda Rural Indígena, que acusavam os índios de vadiagem, alcoolismo e crimes.

Os índios eram proibidos de falar a própria língua e eram obrigados a trabalhar na lavoura. Em caso de fuga, prêmios eram oferecidos pelas cabeças dos fugitivos. Há casos de sentenças sumárias extremamente violentas contra fugitivos falhos, como afogamento, pauladas e enforcamento.

O reformatório foi fechado em 1971, devido a conflitos pela terra onde estava instalado. No entanto, por sua ligação com os latifundiários mineiros, Manoel Pinheiro realizou a transferência dos prisioneiros krenak à Fazenda Guarani, lote de terra da PMMG em Carmésia (hoje, terra indígena pataxó), no Vale do Rio Doce, onde foi instaurada uma espécie de campo de trabalho e prisão rural regulada pelas autoridades.

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