A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou ontem (23) um novo marco regulatório para avaliação dos riscos à saúde vinculados a agrotóxicos. A agência vai adotar novos critérios e usar apenas estudos de mortalidade para definir a classificação –passará a considerar apenas os casos em que há risco de morte por contato com o produto.
Hoje, para determinar o grau de toxicidade de um agrotóxico, o modelo em vigor leva em conta estudos de mortalidade em diferentes tipos de exposição ao produto e o resultado tido como “mais restritivo” em testes de irritação dos olhos e da pele.
A mudança pode fazer com que agrotóxicos hoje classificados como “extremamente tóxicos” passem a ser incluídos em categorias como moderadamente tóxicos, pouco tóxicos ou com dano agudo improvável à saúde. “Da forma que saía a classificação, ninguém sabia qual era a toxicidade correta”, afirma o gerente-geral de toxicologia da Anvisa, Carlos Gomes.
A avaliação do órgão é que a inclusão dos estudos de irritação dos olhos e da pele nos critérios acabava fazendo com que a maioria dos agrotóxicos no Brasil seja registrado hoje como “extremamente tóxico”. Agora, a agência vai adotar um formato chamado de GHS (nome da sigla em inglês que indica Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem), padrão indicado pela ONU e adotado em 53 países, incluindo alguns da Europa, e que serve para outros produtos químicos.
Por esse modelo, os dados dos testes de irritação dos olhos e da pele passam a ser considerados apenas para adoção de medidas de alerta nos rótulos e bulas aos agricultores sobre riscos à saúde. O gerente de avaliação de segurança toxicológica, Caio de Almeida diz que a agência analisa dados do impacto da mudança entre os cerca de 2.300 agrotóxicos registrados, mas reconhece que a medida deve fazer com que a maioria passe a classificações mais baixas.
“Estamos trabalhando esses dados. Mas de classe 1 [extremamente tóxico] seriam hoje entre 700 e 800 produtos. Com o GHS, vamos ter 200 a 300 produtos nas categorias 1 e 2”, diz ele, que estima que ao menos 500 tenham classificação alterada. A ideia é que a avaliação dos riscos, etapa que precede o registro, seja facilitada com a mudança. Hoje, para que um agrotóxico possa ser comercializado no país, é preciso aval da Anvisa, do Ibama e do Ministério da Agricultura.
Segundo a Anvisa, com a adoção do GHS, o Brasil poderá usar como subsídio decisões de países que adotem a mesma regra. As novas normas também preveem mudanças em rótulos, com adoção de novos símbolos para identificar o risco. Karen Friedrich, pesquisadora da Fiocruz na área de agrotóxicos, disse desconfiar das intenções na nova norma. “Para algumas questões onde se flexibiliza a visão da toxicidade do produto, adotamos modelos internacionais. Mas quando outros países adotam critérios mais rígidos, não nos inspiramos nesses modelos”, avalia.
Segundo ela, o padrão de uso de agrotóxicos do Brasil é diferente de outros países, o que justifica ter critérios rígidos de análise. Consultor da CNA (Confederação de Agricultura e Pecuária), Reginaldo Minaré diz que a mudança pode permitir o registro de agrotóxicos genéricos que, segundo ele, vinham sendo barrados por diferenças na metodologia de testes de irritação ocular. “Deixaremos de ter produtos barrados por picuinhas metodológicas.”
A Anvisa diz que vai avaliar a possibilidade de treinamento e capacitação de agricultores para adequação às novas normas. Ao votar de forma favorável à proposta, o diretor-presidente da agência, William Dib, fez um aceno ao setor. “O agronegócio é vital para o país. A agência não pode ser um entrave para esse desenvolvimento”, afirmou. O prazo previsto para adequação das empresas ao novo modelo deverá ser de um ano. 78% dos brasileiros acham que agrotóxicos são inseguros
São Paulo”O consumo de alimentos com agrotóxicos é inseguro para a saúde humana na opinião de 78% dos brasileiros ouvidos pelo Instituto Datafolha em 4 e 5 de julho. Para 72% dos entrevistados, os alimentos produzidos no Brasil têm mais agrotóxicos do que deveriam.
A preocupação é maior entre as mulheres: 81% delas acreditam que o consumo de produtos com agrotóxicos é inseguro para a saúde. Entre os homens, a taxa é de 75%. Mais mulheres do que homens acham que há um excesso de agrotóxicos nos alimentos (74% contra 70%).
A crença de que os defensivos agrícolas são inseguros ou são usados em quantidades maiores do que se deveria aumenta conforme o grau de escolaridade. Curiosamente, a preocupação diminui conforme a renda aumenta: 79% do que ganham até dois salários mínimos dizem que agrotóxicos são muito inseguros. Entre os que ganham mais de 10 salários, essa taxa é de 67%.
A desconfiança em relação aos agrotóxicos é maior em capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes. Nos dois casos, 74% acreditam que alimentos têm mais agrotóxicos do que deveriam. O índice cai para 69% nas cidades com menos de 50 mil habitantes. Entre eleitores do presidente Jair Bolsonaro, 77% acham que alimentos com agrotóxicos são inseguros. O número sobe para 81% entre eleitores de Fernando Haddad e chega a 87% entre os que declaram ter votado branco ou nulo.
Nesta segunda (22), o governo federal publicou no Diário Oficial a liberação de mais 51 tipos de agrotóxicos para venda no mercado ou uso industrial. Desde o início do ano são 290 substâncias liberadas, segundo levantamento da ONG Greenpeace. A tendência é que o ritmo de liberações supere o recorde do ano passado, quando o governo de Michel Temer autorizou a comercialização de 450 substâncias.