O presidente Jair Bolsonaro chamou ontem de “política” e de “canetada” a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que, na quarta-feira, anulou a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para o comando da PF (Polícia Federal). “Eu respeito a Constituição e tudo tem um limite”.
Na saída do Palácio da Alvorada, antes de embarcar para Porto Alegre (RS), Bolsonaro argumentou que “não engoliu” a decisão de Moraes e que o ministro do STF quase gerou uma “crise institucional”.
“Se [Ramagem] não pode estar na Polícia Federal, não pode estar na Abin [Agência Brasileira de Inteligência, que ele dirige]. No meu entender, uma decisão política”, declarou.
Na quarta (29), após Ramagem ter sido barrado pelo Supremo, o presidente revogou a nomeação de seu indicado, que é amigo do clã Bolsonaro. O mandatário também anulou a exoneração de Ramagem da Abin, cargo ocupado por ele anteriormente.
O presidente reiterou ainda que a AGU (Advocacia-Geral da União) vai recorrer da decisão judicial, mas disse que, diante da ação do Supremo, o governo busca um novo nome para o comando da PF.
Em outra investida contra Moraes, Bolsonaro cobrou “rapidez” do ministro para analisar eventuais recursos e para liberar o julgamento da ação no Plenário da Corte.
“Não justifica a questão da impessoalidade [um dos argumentos usados pelo ministro na sua decisão]. Como o senhor Alexandre de Moraes foi parar o Supremo? Amizade com o senhor Michel Temer, ou não foi?”, disse o presidente, em uma referência à indicação de Moraes ao STF pela ex-presidente.
“Agora tirar numa canetada e desautorizar o presidente da República, com uma canetada, dizendo em [princípio da] impessoalidade? Ontem quase tivemos uma crise institucional, quase. Faltou pouco”, disse Bolsonaro. “Eu não engoli ainda essa decisão do senhor Alexandre de Moraes. Não engoli. Não é essa a forma de tratar o chefe do Executivo”, queixou-se o mandatário.
AMIZADE
Em outra defesa da nomeação de Ramagem, Bolsonaro disse que relações de amizade não constam como “cláusulas impeditiva para alguém tomar posse” em cargo público.
Ele repetiu que conheceu Ramagem após a eleição presidencial, quando o delegado da PF assumiu a coordenação da segurança do então presidente eleito. “Por que eu não posso prestigiar uma pessoa que, além do mais, eu conhecia com essa profundidade? Relação de confiança”.
Bolsonaro também criticou seu e ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, que na semana passada pediu demissão e acusou o mandatário de querer trocar o diretor-geral da PF para interferir politicamente na corporação e para ter acesso a relatórios de inteligências. Para Bolsonaro, Moro “deixou a desejar” como ministro.
“O ônus da prova acaba a quem acusa. Nenhum superintendente [da PF] foi trocado, eu sugeri duas superintendências, ele não concordou. [Moro] passou a ser o dono de tudo, e não aceitava qualquer sugestão. O ego falou mais alto a vida toda dele”, disparou. “Ninguém nega o trabalho do Moro na Lava Jato, lá atrás. Um excelente juiz. Mas como ministro, lamentavelmente, deixou a desejar. Até privilegiando o pessoal que tava no Paraná, sem querer desmerecê-los. Mas só o pessoal do Paraná”.
Pouco depois, em entrevista à rádio Guaíba, Bolsonaro disparou novas críticas contra Moraes. “Não vou admitir eu ser um presidente pato manco, refém de decisões monocráticas de quem quer que seja. Não é um recado, é uma constatação ao senhor Alexandre de Moraes”.
Na mesma entrevista, o mandatário disse não temer sofrer um processo de impeachment. “De jeito nenhum. O homem que vai à guerra e tem medo de morrer é um covarde”.
Ministro é apoiado por colegas do STF
Após os ataques de Bolsonaro ao ministro Alexandre de Moraes, ministros do Supremo fizeram questão de elogiar Moraes e o defenderam.
Ontem, o próprio ministro mandou recados ao Palácio do Planalto. Ao votar em uma discussão sobre as consequências do novo coronavírus, Moraes disse que o Brasil só terá esperança de sair da crise se houver liderança. “E esperança se dá com liderança. Quando nós que exercemos cargos públicos, possamos olhar para a população e afirmar que estamos fazendo o melhor com base em regras técnicas, de saúde pública, internacionalmente conhecidas. E não com base em achismos, com base em pseudomonopólios de poder por autoridade”.
A Ajufe (Associação dos Juízes Federais) também se manifestou e classificou a atitude de Bolsonaro como “inadmissível”.
Barroso disse que “o ministro chegou ao Supremo após sólida carreira acadêmica e de haver ocupado cargos públicos relevantes, sempre com competência e integridade”.
O ministro Luiz Edson Fachin disse que se sente honrado em integrar o STF ao lado de Moraes.
Nos bastidores, outros ministros também criticaram os ataques de Bolsonaro a Moraes.