domingo, 24 novembro 2024

Brasileiros mapeiam variante mais infecciosa do coronavírus, a gama-plus

Cientistas do Genov descobriram que a variante “nascida” em Manais, antes denominada P1, agora tem uma versão “turbinada”  

Os cientistas descobriram a gama-plus ao analisar 502 amostras colhidas em maio de brasileiros infectados pelo Sars-CoV-2 – Divulgação

Cientistas do Genov, um dos maiores projetos de vigilância genômica da América Latina, descobriram que a variante gama do coronavírus (Sars-CoV-2) —”nascida” em Manaus e antes denominada P1— agora tem uma versão “turbinada”, que possivelmente é mais transmissível.

Batizada de gama-plus, ela conta com uma alteração genética em uma região nobre (a posição 681), no chamado sítio de furina, que condiciona a velocidade com que o vírus entra nas nossas células. Essa mutação, inclusive, a variante delta, também carrega. Então, embora não seja uma descrição muito científica, cá entre nós poderíamos dizer que a variante identificada pelo Genov seria um mestiço de gama com delta. E por isso é melhor ficarmos de olho nela.

Os cientistas descobriram a gama-plus ao analisar 502 amostras colhidas em maio de brasileiros infectados pelo Sars-CoV-2. Nelas, encontraram 12 mutações bem diferentes das usuais.

Em 11 delas, na posição 681 da sequência de 30 mil letras que escrevem a receita genética do vírus da covid-19, um “P” tinha sido substituído por um “H”. Já na 12ª amostra havia um “R” no lugar do velho “P”, que é a mesma alteração da delta.

Essas alterações foram encontradas em cinco amostras de Goiás; em duas do Tocantins; em uma de Mato Grosso, uma do Ceará, uma de Santa Catarina, uma do Paraná e uma do Rio de Janeiro.

O que é essa gama-plus

Já existem por aí diversas variantes de gama, cepas com alterações em relação à sua versão original. “Mas são chamadas gama-plus apenas aquelas que têm algo a mais no sentido de aumentar o seu perigo”, ensina o biólogo molecular e virologista José Eduardo Levi, que lidera a área de desenvolvimento e pesquisa da Dasa, rede de saúde integrada que criou o Genov.

Para entender o perigo no caso específico, lembre-se da famosa proteína S, aquela com forma de espinho, usada para o dito-cujo invadir as nossas células. Saiba que ela tem várias regiões ou, melhor, domínios. Até agora o que mais gerou falatório entre eles é o RBD, do inglês receptor binding domain. Isto é, o ponto exato que faz o vírus se agarrar em nossas células. Os anticorpos avaliados como neutralizantes depois de alguém tomar a vacina são aqueles que miram o RBD.

No entanto, de nada adianta o vírus grudar nos receptores celulares se essa proteína espinhosa não é quebrada em dois pedaços, que seriam S1 e S2. Sem isso, nada feito. E a área em que a proteína S é quebrada é justamente o tal sítio de furina —daí o estardalhaço, o “plus”.

“Se você pegar a proteína S do Sars-CoV-1 do passado, que causou a epidemia na China em 2002, ela demorava para se quebrar”, lembra Levi. No Sars-CoV-2 da atual pandemia, essa quebra — ou clivagem — no vírus original de Wuhan já era bem mais rápida. Mas em gama-plus ela deve acontecer em um zás-trás. “Aliás, é o que ocorre com a delta, pela ação dessa furina humana”, comenta o virologista. Sim, uma proteína totalmente customizada para seres humanos.

Toda proteína é uma corrente combinando os 20 aminoácidos existentes no universo. A mudança de um único de seus elos é capaz de criar uma furina melhor, por exemplo — na perspectiva do Sars-CoV-2, isso quer dizer tal qual a nossa, facilitando a quebra ao se aproximar de células humanas. E a furina de gama-plus tem melhorias no que já era bom para o vírus e péssimo para nós.

Vacinação

“O que mais impressiona os virologistas em relação ao Sars-CoV-2 é sua altíssima taxa de convergência”, diz Levi. É esse conceito que explica por que uma mutação de delta aparece na conhecida cepa de Manaus ou gama, transformando-a na versão “plus”. Da mesma forma como a mutação que estava na alfa britânica apareceu na delta indiana.

Mas ter gama-plus ameaçando correr solta preocupa um bocado diante de um cenário em que apenas 22,5% dos brasileiros estão totalmente vacinados, com duas doses ou a dose única. E isso não só porque essas pessoas podem adoecer.

Com o vírus entrando mais depressa nas células, pode aumentar a carga viral da cepa gama, que já era impressionante. Assim, devem se multiplicar as oportunidades de criar mutações diariamente. E gama-plus poderá aproveitar o organismo dos semi-imunizados para testar aquelas que a ajudariam a lidar com anticorpos.

“Em suma, quem não tomou a segunda dose dá mais chance ao vírus para aprender a escapar das defesas do quem ainda não foi vacinado”, informa Levi. Portanto, as pessoas que estão no meio do caminho da imunização precisam ser ainda mais cuidadosas, em nome do coletivo.

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