Fatores como organização, densidade populacional, disponibilidade de vacinas e decisões estratégicas dos municípios ajudam a explicar as evoluções e atrasos no processo de imunização
A diferença no ritmo de vacinação contra Covid-19 nas capitais brasileiras tem provocado grande variação na cobertura vacinal em relação aos grupos etários. Enquanto São Luís começa a vacinar jovens de 24 anos nesta quarta-feira (16), Palmas e Porto Velho, por exemplo, ainda aplicam doses apenas em pessoas a partir de 60 anos.
Fatores como organização, densidade populacional, disponibilidade de vacinas e decisões estratégicas dos municípios ajudam a explicar as evoluções e atrasos no processo de imunização.
São Luís (MA), Manaus (AM), Fortaleza (CE) e Recife (PE) são as capitais brasileiras que mais avançaram em relação à vacinação da população mais jovem. Na outra ponta estão Porto Velho (RO), Palmas (TO), Rio Branco (AC) e Boa Vista (RR).
A capital maranhense conseguiu acelerar a aplicação dos imunizantes após o recebimento de 210 mil doses extras da AstraZeneca/Oxford em razão da cepa indiana do novo coronavírus, detectada no estado no dia 20 de maio. Nesta quarta-feira (16), a cidade começa a aplicar a primeira dose da vacina em pessoas de 24 e 25 anos.
Com 1,1 milhão de habitantes, São Luís é a 15ª cidade mais populosa do Brasil. A prefeitura decidiu criar centros independentes com capacidade para vacinar até 20 mil pessoas por dia.
Diferentemente de outras capitais, as pessoas não precisam fazer o agendamento eletrônico prévio. “Basta comprovar a idade e ir em qualquer centro de vacinação. Desenvolvemos um aplicativo, o ‘Filômetro’, que indica os locais que estão mais cheios e mais vazios. Isso tem ajudado bastante o nosso fluxo”, explica o prefeito Eduardo Bride (Podemos).
Outra peculiaridade é que, em São Luís, a vacinação para determinado grupo etário é feita em um mesmo dia. Na terça-feira, por exemplo, receberam a primeira dose pessoas com 26 e 27 anos. Quem perde o seu dia precisa aguardar a repescagem.
Já em Palmas, capital menos populosa do país, com cerca de 306 mil habitantes, é preciso fazer um cadastro para garantir a vacina, que ainda segue sendo aplicada apenas em pessoas com comorbidades, com 60 anos ou mais, e em grupos de trabalhadores essenciais.
Via assessoria, a prefeitura afirmou que, considerando o número de doses recebidas, o percentual aplicado é alto em comparação com outras capitais, inclusive com São Luís.
A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o PNI (Programa Nacional de Imunizações) de 2011 a 2019, aponta que, além de pré-cadastro e maior ou menor grau de exigência para vacinar pessoas com comorbidades, por exemplo, outros fatores interferem na velocidade da imunização.
“Temos vacinações diferentes porque temos populações diferentes. Num cenário com poucas doses, a organização é complexa, o que impõe ritmos diferentes”, aponta. Ela lembra que vários grupos de trabalhadores foram incluídos no PNI, como portuários e metroviários, e outros ficaram de fora, como os bancários.
Isso ajuda a explicar a alta taxa de vacinação em Paranaguá, cidade portuária do Paraná, onde pessoas com 35 anos estão recebendo as doses. Já em Curitiba, capital do estado, a vacinação engloba pessoas com 53 anos a partir desta quarta-feira.
“Para mim, foi equivocado colocar um monte de atividades essenciais como se uma profissão fosse mais importante do que outra”, avalia Domingues. Ela acredita que a vacinação escalonada por idade logo após cumprido o grupo de comorbidades seria o ideal para agilizar o processo. “Até porque aí é mais fácil demonstrar [que faz parte do grupo contemplado], é só apresentar o documento.”
A densidade populacional e a alta taxa de pessoas integrantes dos primeiros grupos vacinados também explicam os diferentes índices de imunização.
Em Alcântara, cidade com 22 mil habitantes na região metropolitana de São Luís, foi iniciada uma força-tarefa nesta segunda-feira (14) para vacinar todos os moradores com 18 anos ou mais. Além de uma população pequena, o município tem o maior número de quilombos do Brasil. São 204 comunidades, onde vivem mais de 3.300 famílias.
Outras pequenas localidades, como o arquipélago de Fernando de Noronha, em Pernambuco (com 4.700 moradores), e o município de Guaraqueçaba, no litoral do Paraná (com 7.500), já estão bem adiantadas, vacinando maiores de 18 anos.
“Não posso comparar o plano de vacinação de uma cidade menor ou mesmo de uma capital com média de 1 milhão de habitantes com São Paulo, por exemplo, que tem 12 milhões”, diz Domingues.
O número de pessoas com mais de 60 anos também fez com que cidades recebessem diferentes remessas de doses. No Brasil, esse índice gira em torno de 15% da população. Já no estado do Acre, esse percentual não passa de 8%.
À reportagem o secretário de Saúde de Rio Branco, Frank Lima, afirmou que a cidade ultrapassou ou já chegou perto de atingir a meta de vacinação de todos os grupos prioritários. “Infelizmente, o Ministério da Saúde tem uma plataforma lenta e um sistema de apuração de dados ineficiente que leva de três a cinco dias para atualizar as vacinas”, justificou.
Nas cidades em que houve avanço na faixa etárias, a maioria das vacinas aplicadas tem janela de três meses entre uma dose e outra, a exemplo da AstraZeneca/Oxford e da Pfizer. Desta maneira, há menos risco, em tese, de utilizar logo a maioria das doses na primeira aplicação. Com mais tempo de espera para a segunda dose, é possível mudar planos caso ressurja o risco de chegarem menos vacinas.
Domingues ressalta, no entanto, que o ideal é que os municípios guardem vacinas para garantir a aplicação da segunda dose. “O adequado é guardar enquanto não houver regularidade de envio. Já tivemos casos de a população procurar a vacina e não encontrar e, se isso ocorre mais vezes, é possível que a pessoa não retorne depois.”
Entre outros fatores, a organização do processo de imunização é citada como um fator que conferiu maior rapidez à aplicação de doses em Recife. A cidade adotou a estratégia de só vacinar após um agendamento eletrônico. Nos postos, há servidores que fazem o cadastramento para pessoas que não são familiarizadas com a tecnologia.
Na capital pernambucana, que vacina desde 10 de junho pessoas sem comorbidades a partir de 43 anos, não há registro de grandes filas. Assim como em São Luís, também foram abertos locais onde as pessoas não precisam descer do veículo para receberem as doses.