sexta-feira, 22 novembro 2024

Casamentos entre pessoas do mesmo sexo saltam 360% após eleição de Bolsonaro, diz IBGE

O publicitário Cristiano Bueno, 33, e o estudante de engenharia, Gustavo Baldin, 31, se casariam em uma cerimônia ao ar livre, no dia do aniversário de sete anos de namoro, em setembro deste ano. Começaram a se programar quase dois anos antes, mas o desenrolar das eleições de 2018 fizeram com que eles antecipassem o casamento no civil e se apressassem antes do ano acabar.

Os dois estavam acompanhando as opiniões de Bolsonaro sobre os direitos LGBTs no país. “Tivemos muito medo de ele interferir nos nossos direitos, nos casamentos igualitários”, contou Baldin.  Casaram-se em 28 de dezembro de 2018, em Belo Horizonte, e organizaram, em cima da hora, uma festinha, com ajuda de fornecedores mineiros que aderiram à “corrida” no fim do ano.

“Além de garantir uma série de questões mais para frente, é um recado político para a sociedade de que nossa família existe”, afirmou Bueno.  Outros dois casais gays formalizaram a união no mesmo dia, no mesmo cartório. A grande celebração de Bueno e Baldin foi mantida em setembro, com os pais deles entrando com as alianças e um discurso sobre o amor: “Tão jovens, destemidos, mostram que todo amor é bonito e que feio é não amar”, narrou a celebrante Flávia Ayer.

O número de casamentos homoafetivos se multiplicou no Brasil no ano passado, especialmente após a eleição de Jair Bolsonaro à presidência do país. Nos dois últimos meses de 2018, foram registrados 4.055 matrimônios homoafetivos – 3.098 apenas em dezembro -, dados que se aproximam dos números absolutos de casamentos gays durante todo o ano de 2017.

O “boom” de casamentos entre pessoas do mesmo sexo coincidiu com a confirmação da eleição de Bolsonaro, no fim de outubro. O político tem um histórico de declarações consideradas homofóbicas. Como esta, de 2013, logo após o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mandar os cartórios oficializarem casamentos de pessoas do mesmo sexo. “Está bem claro na Constituição: a união familiar é [entre] um homem e uma mulher. Essas decisões só vêm solapar a unidade familiar, os valores familiares. Vai jogar tudo isso por terra”.

Impulsionados pela multiplicação de casamentos em novembro e dezembro, os matrimônios homoafetivos chegaram ao total de 9.520 em 2018, um aumento de 61,7% com relação ao ano anterior, quando foram registrados 5.887. “Houve um aumento importante de 2017 a 2018 no número de casamentos de pessoas do mesmo sexo”, disse Klivia Brayner de Oliveira, gerente da pesquisa do IBGE, que divulgou nesta quarta-feira (4) as Estatísticas do Registro Civil em 2018.

No Recife, o documentário “Antes que ele chegue”, que será lançado em março, retrata a corrida dos casais homoafetivos para registrar oficialmente suas uniões diante do resultado das urnas em 2018. As filmagens começaram em novembro.  Para a diretora Clara Angélica Barbosa, os homossexuais sempre tiveram as vidas ameaçadas, “mas com a chegada desse governo isso se potencializou de uma forma absurda”. Ela ouviu casais com filhos, que não querem que o medo afete a vida deles, não querem se esconder.

“Uma (das personagens do filme) esteve doente e a família impediu que a mulher a visitasse, mesmo após anos de relacionamento, mas agora elas casaram, e uma é responsável pela outra”. Apesar da coincidência na multiplicação dos casamentos gays com a eleição de Bolsonaro, pesquisadores do IBGE dizem não sabem identificar se há relação entre os dois pontos. “Existem especulações que podemos fazer, mas os nossos dados são frios, temos só os números de que aumentou ou diminuiu”, disse Klivia.

A união civil entre pessoas do mesmo sexo foi declarada legal em maio de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou o entendimento do Código Civil de que a família era formada por um homem e uma mulher. A partir daí, as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo passaram a ser permitidas.  No julgamento em questão, ficou decidido que o reconhecimento das uniões estáveis entre casais gays deveria seguir as mesmas regras e ter as mesmas consequências que aquelas entre casais heterossexuais. E como a decisão dizia que as normas deveriam ser as mesmas para o casamento, casais homoafetivos passaram a pedir a conversão da união estável, o que está previsto no Código Civil.

Porém, muitos encontraram resistência nos cartórios. Até maio de 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça publicou uma resolução que permite aos cartórios registrarem casamentos entre pessoas do mesmo sexo e os proíbe de se recusarem a fazê-lo. Com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República, alguns casais gays decidiram antecipar o casamento por receio que o direito à união homoafetiva fosse revertido no país, por conta do histórico do político declarações consideradas ofensivas à população LGBT. Isso não ocorreu até o momento.

A maioria dos casamentos homoafetivos registrados em 2018 são de mulheres. Foram 5.562, sendo que 34% deles – ou 1.906 – foram no mês de dezembro. “Podemos dizer que o número de mulheres do mesmo sexo que casam é superior ao de homens”, apontou a pesquisadora do IBGE. A pesquisa foi feita com dados fornecidos por cartórios de registro civil, tabelionatos que realizam divórcios e as varas cíveis ou de família que informam divórcios.

No caso dos homens homossexuais que casaram no ano passado, 1.192 deles o fizeram no último mês do ano, ou 30% dos 3.958 que aderiram ao matrimônio. O instituto explicou que, por enquanto, não tem orientação para mudar sua pesquisa e contabilizar as uniões estáveis do país. “A pesquisa é de fatos vitais, relacionados ao começo e fim da vida e à mudança de estado civil. Quando você casa, muda seu estado civil. A união estável é uma situação conjugal, você está em união estável, mas seu estado civil não se multiplica. Se é solteiro, continua solteiro. Contamos os casamentos oficiais, que mudam o estado civil da pessoa”, disse Klivia.

No total, contando pessoas do mesmo sexo e também casais heterossexuais, o Brasil registrou 1.053.467 casamentos em 2018, uma queda de 1,6% em relação ao ano anterior. “Com exceção das regiões Nordeste e Centro-Oeste, que assinalaram aumentos de 0,8% e 3,3%, respectivamente, todas as demais apresentaram queda no número de casamentos civis registrados em cartório. Não foi observado o mesmo comportamento nos casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo”, apontou o IBGE.

Já o número de divórcios concedidos em primeira instância ou por escrituras extrajudiciais cresceu 3,2%, indo de 373.216 em 2017 para 385.246 em 2018. “O casamento está caindo e o divórcio aumentando, de uma certa maneira, mas ainda temos uma relação de três casamentos para cada divórcio”, disse a gerente da pesquisa. O tempo médio de casamento no Brasil também está caindo. Em 2008, os casais ficavam 17 anos juntos. Em 2018, esse número caiu para 14 anos.

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