Rendimento de desembargadores pode subir para R$ 56 mil com os chamados ‘penduricalhos’
A criação de um novo auxílio financeiro para magistrados vinculados ao Tribunal de Justiça de São Paulo, desta vez voltado para compensar uma alegada sobrecarga de trabalho, ganha força dentro da corte.
Para 2022, por exemplo, o órgão triplicou o limite do reembolso pago a título de auxílio-saúde, que subiu de 3% para 10% do valor dos salários.
Além desse benefício, membros do Judiciário paulista devem analisar a criação de outro adicional, o auxílio-acervo, voltado a magistrados que acumulam serviço, como duas varas distintas, com valor correspondente a um terço do salário para cada 30 dias.
Um adicional nesses moldes já é pago em outras cortes do país.
Os desembargadores ganham R$ 35.462,22, mas com os chamados penduricalhos esse valor pode subir para R$ 56 mil, sem contar os descontos. Já os menores salários, de juízes substitutos, são de R$ 28.883.
O tema foi levantado neste ano pelo vice-presidente do TJ, desembargador Guilherme Gonçalves Strenger, e tem apoio de entidade que representa os magistrados paulistas. O assunto, porém, ainda precisa do aval da presidência do órgão.
Em discurso de posse no início deste ano, Strenger defendeu a medida diante da sobrecarga dos magistrados que, para ele, chega a “limites insuportáveis”.
Ele citou que, sem magistrados para assumir as varas durante férias e licenças, “o acúmulo de trabalho e formação de acervo torna-se praticamente inevitável”.
“Também por essa razão, penso ser premente a implementação do auxílio por assunção de acervo em valor correspondente a 1/3 dos subsídios, a fim de retribuir o trabalho do magistrado que suporta a distribuição anual de processos superior ao que lhe seria exigível, conforme recomendado pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça]”, disse o vice-presidente do TJ.
Assim como o auxílio-saúde, o CNJ recomenda o adicional por excesso de trabalho desde 2020. No entanto os tribunais não são obrigados a adotar as medidas.
Segundo a recomendação do conselho, somado ao auxílio de um terço do subsídio, o salário não pode ultrapassar o teto, referente aos vencimentos dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), que é de R$ 39.293.
Questionado sobre o assunto pela Folha, o vice-presidente do TJ disse que na gestão anterior ele já havia feito o requerimento para criar o auxílio-acervo na corte para retribuir a distribuição de processos superior ao que seria exigível aos magistrados.
Ele citou que magistrados dos TRTs (Tribunais Regionais do Trabalho) e TRFs (Tribunais Regionais Federais) são contemplados pelo auxílio. “E, ao que consta, na esfera estadual, somente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não implementou a aludida gratificação”, disse, em nota.
Segundo ele, a análise do pedido deve passar pela presidência do TJ-SP e pelo Órgão Especial. Procurada, a corte afirmou não emitir opinião sobre o que seus integrantes dizem e que a proposta ainda não foi analisada pela presidência.
A Apamagis (Associação Paulista de Magistrados), entidade que representa a categoria, demonstrou apoio ao auxílio.
De acordo com a juíza Vanessa Mateus, presidente da associação, é recomendável que o estado crie outra vara quando ela atinja determinado número de processos distribuídos -que balizaria a criação de cargos de juízes e servidores.
“Não havendo a criação de outra vara, o mesmo juiz exerce a função que seria de dois juízes. Dessa forma, esse auxílio por assunção de acervo se destina a compensar a vara que não foi criada, com muito menos ônus ao Estado”, disse, em nota.
“Ao invés de disponibilizar vencimentos para dois juízes, o Estado concederá apenas um acréscimo a um juiz e não arcará com despesas com salários de servidores, com cartório e com estrutura”, acrescenta ela.
Entre os dados que basearam a recomendação do CNJ está um levantamento que mostra que, de 2010 a 2019, o número de magistrados no Brasil cresceu 7,2% (de 16.883 para 18.091), enquanto os casos novos no Poder Judiciário avançaram 26%, passando de 24 milhões a 30,2 milhões por ano.
O TJ-SP quer ainda quer criar mais um cargo, do quinto assistente para os gabinetes.
No início do mês, a corte aumentou a possibilidade de reembolso mensal de auxílio-saúde dos magistrados, de 3% para até 10% do valor dos salários.
Com isso, os limites mensais para os desembargadores, que chegavam a pouco mais de R$ 1.000, podem saltar para mais de R$ 3.500. O pagamento do auxílio é um reembolso que depende da comprovação da despesa pelo magistrado.
Os magistrados têm direito a auxílio-alimentação, férias anuais, licença-prêmio e dias de compensação por cumulação de funções.
Além disso, recebem retroativos, compostos principalmente de equiparações salariais, que são corrigidos pela inflação. Após os salários, essas são as maiores despesas pagas pelo tribunal aos seus integrantes.
A mudança no auxílio-saúde consta de portaria publicada no dia 10 e assinada pelo novo presidente do TJ, Ricardo Mair Anafe. Ele tomou posse para comandar o maior Tribunal de Justiça do país no biênio 2022-2023 e tinha esse aumento do benefício aos magistrados como promessa de campanha.
O magistrado assumiu o posto com a corte em situação financeira mais confortável que nas gestões de antecessores.
Antes dele, presidentes enfrentaram restrições devido a uma mudança de cálculo do TCE (Tribunal de Contas do Estado) que pôs a corte sob risco de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
No ano passado, o TCE flexibilizou um acordo que havia feito com o TJ para que o órgão da Justiça reduzisse progressivamente o percentual de suas despesas com pessoal até 2021. O prazo para que esse ajuste chegue ao fim passou para 2023.
Apesar dos problemas financeiros, o órgão frequentemente chama a atenção pelos gastos. Algumas vezes, após repercussão negativa, acaba recuando.
Por exemplo, a Folha mostrou que até o ano passado o tribunal usava uma verba reservada a situações urgentes e imprevisíveis para comprar petiscos e outras regalias aos seus 360 desembargadores.
A chamada “verba de adiantamento” vinha sendo usada pelo tribunal para fazer compras que incluíam produtos como queijo maasdam holandês (R$ 67,90 o quilo) e salame hamburguês Di Callani (R$ 60,25 o quilo), além de frutas como kiwi gold (R$ 59,99 o quilo).
Após reprimenda do TCE, no entanto, a corte informou internamente que deixaria de fornecer lanches a gabinetes de desembargadores por meio desta verba.
Em 2019, a construção de um prédio bilionário para abrigar gabinetes de desembargadores acabou suspensa após a repercussão negativa.
No ano seguinte, o órgão anunciou que daria prêmio de até R$ 100 mil para desembargadores julgarem processos durante a crise. Após a divulgação, o CNJ foi acionado e o órgão decidiu suspender a medida.