Ao menos dez deputados apresentaram emendas à reforma da Previdência que, na verdade, foram elaboradas por associações de servidores ou entidades de classe. A maior parte das propostas tenta preservar benefícios ou incluir categorias em regimes especiais de aposentadoria. Parlamentares protocolaram textos redigidos por representantes do Ministério Público, de policiais militares, da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e de auditores da Receita.
Embora os documentos sejam assinados formalmente por deputados, os arquivos eletrônicos têm rastros dos computadores em que foram originalmente criados. Não há qualquer proibição a essa prática. Assessores dessas entidades relatam que costumam entregar projetos e emendas como sugestões aos parlamentares. Em alguns casos, eles acatam a proposta e assumem sua autoria. As emendas das associações para alterar a reforma refletem a mobilização de servidores para evitar prejuízos com a reforma de Jair Bolsonaro.
Os grupos procuraram deputados alinhados a suas agendas. A frente parlamentar da segurança pública apadrinhou duas emendas que foram escritas pela Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais. O coronel da Polícia Militar paulista Elias Miler da Silva aparece como autor de dois arquivos protocolados por integrantes da bancada da bala, liderada pelo deputado Capitão Augusto (PL-SP). Miler é diretor de assuntos legislativos da associação.
Uma das propostas flexibiliza o teto de remuneração de servidores dos estados. A outra altera a reforma para garantir a simetria dos regimes de aposentadoria e dos mecanismos de transição para militares federais e estaduais.
“Isso é legal, legítimo e moral. Na democracia, as entidades associativas são grupos de pressão e dão subsídios aos parlamentares que elas ajudaram a eleger”, diz Miler.
Capitão Augusto defende as emendas da federação e afirma que é justo encampar sugestões feitas pelas associações. “O Brasil é uma democracia representativa. É natural que elas busquem ser representadas pelo Congresso.” A reportagem analisou os arquivos eletrônicos das 277 emendas apresentadas à PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma. Na maior parte dos documentos, o campo de identificação do autor estava em branco ou continha o nome de consultores da Câmara.
Em dois arquivos, aparece um dirigente da APMP (Associação Paulista do Ministério Público). Os documentos, quase idênticos, foram protocolados pelos deputados Bilac Pinto (DEM-MG) e Junior Lourenço (PL-MA). O objetivo é rever a proposta do governo que limita o valor das pensões por morte. O texto também pretende alterar as regras apresentadas pelo governo para o acúmulo de pensões e aposentadorias.
O promotor Paulo Penteado Teixeira Junior, presidente da APMP, afirma que a associação não é contrária à reforma, mas aponta que há itens com um “efeito confiscatório evidente”, uma vez que os servidores contribuem com a Previdência ao longo da carreira. “As entidades têm que levar, sim, suas propostas. Elas são até uma antítese ao poder econômico”, diz Teixeira.
O sindicato dos auditores da Receita também emplacou uma emenda. O documento, apresentado por um deputado do PSB, tem o registro digital de um advogado que representa a entidade. A proposta sugere uma redução gradual da contribuição descontada das aposentadorias de servidores inativos. Aos 75 anos, o aposentado ficaria isento dessa cobrança.
O texto diz que funcionários públicos são penalizados para custear um “déficit previdenciário inexistente”. O governo, porém, projeta um buraco de R$ 292 bilhões em 2019. Outra emenda, entregue pelo deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), aparece com o nome de um servidor da Abin e cria regras especiais para a aposentadoria de agentes do órgão. No texto do governo, a Abin não tem regime especial.
Os deputados puderam apresentar emendas entre 30 de abril e 30 de maio. Cada uma precisava da assinatura de 171 parlamentares para serem aceitas -49 foram rejeitadas por falta de apoio. O relator da PEC da Previdência, Samuel Moreira (PSDB-SP), deve divulgar seu texto nesta semana na comissão especial. Ele deve rejeitar a maior parte das sugestões feitas por seus colegas.
Entre as emendas analisadas, o nome de uma supervisora da Confederação Nacional dos Municípios aparece quatro vezes. Uma delas propõe a distribuição da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) a governos estaduais e prefeituras. “Muitos parlamentares nos procuram porque temos técnicos em todas as áreas, levantamentos e estudos. Nossa atuação é coletiva, visando o bem da população brasileira”, diz o presidente da confederação, Glademir Aroldi.
Ele afirma que debateu a reforma com muitos parlamentares, mas ressalta que a iniciativa foi exclusivamente do deputado Júlio Cesar (PSD-PI). A reportagem não conseguiu contato com sua equipe. Também foi registrada na Câmara proposta para evitar a proibição de anistias e parcelamentos de dívidas previdenciárias. O autor do arquivo é o diretor jurídico de uma associação de agricultores e pecuaristas -grupos que se beneficiam de programas como o Funrural. O documento foi entregue pelo deputado Jerônimo Goergen (PP-RS). Ele diz, porém, que não recolheu assinaturas para validar a emenda e que é favorável à aprovação da reforma sem essa modificação.