Para relator da CPI da Covid, presidente também prevaricou em relação às denúncias de compra superfaturada e corrupção
O relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), disse nesta segunda-feira (20) no UOL Entrevista que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cometeu crime de corrupção no caso da tentativa de compra da vacina indiana Covaxin. Para o senador, o presidente ainda prevaricou em relação às denúncias na negociação da vacina pelo Ministério da Saúde.
“Entendo (que o presidente praticou corrupção) e as suas digitais estão no telefonema que fez ao primeiro-ministro da Índia pedindo para reservar 20 milhões de doses de vacina. E depois o crime óbvio de prevaricação quando prometeu tomar providências com relação à investigação”, disse Renan.
O contrato de R$ 1,6 bilhão para aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin é alvo de investigação da CPI. Ele foi firmado em fevereiro deste ano pelo Ministério da Saúde com a indiana Bharat Biotech, por intermédio da Precisa Medicamentos. De acordo com o documento, o governo federal pagaria 1.000% mais caro por dose da vacina do que anunciado seis meses antes pela própria Bharat Biotech. O contrato só foi rompido em julho depois de virar alvo da comissão.
“O detalhamento da investigação, as circunstâncias, os elementos probantes, tudo isso leva a crer que ele (Bolsonaro) terá que ser responsabilizado sim por crime de corrupção e que isso deverá constar do relatório (da CPI)”
por Senador Renan Calheiros, relator da CPI da Covid
A suspeita de prevaricação (quando um funcionário público retarda, deixa de praticar ou pratica indevidamente algo relativo às suas funções) por parte de Bolsonaro se deu a partir de notícias de que o deputado federal Luís Claudio Miranda (DEM-DF) afirmou ter informado ao presidente, em março, sobre um suposto esquema ilegal em torno da compra da Covaxin pelo Ministério da Saúde.
Segundo o parlamentar, durante a reunião, Bolsonaro disse que sabia que um deputado da base do governo estava envolvido no caso e que levaria a denúncia ao delegado-geral da Polícia Federal, o que não foi feito. O deputado em questão seria o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), conforme informou o irmão de Miranda, o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda, em depoimento na CPI no dia 25 de junho.
Apenas em julho, após pedido da Procuradoria-Geral da República, é que a PF abriu um inquérito sobre o caso. Na ação, o presidente Jair Bolsonaro aparece investigado por prevaricação.
“Aliás, crime esse que deve ser repartido com o próprio general Pazuello [Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde], que também não encaminhou providência nenhuma, absolutamente”, afirmou Renan, sobre o ministro da Saúde na época das denúncias.
Bolsonaro em Nova York
Ainda sobre Bolsonaro, o relator da CPI disse que o presidente não mudou sua postura em relação à pandemia. Ele afirmou que desdobramentos sobre a ida do chefe do Executivo federal a Nova York para a abertura da Assembleia Geral da ONU poderão ser usados na comissão.
Bolsonaro foi aos Estados Unidos sem se vacinar contra o novo coronavírus e ontem à noite protagonizou uma cena que repercute. Em fotos divulgadas pelo ministro do Turismo, Gilson Machado, o presidente e sua comitiva em Nova York aparecem comendo pizza na rua, em pé. Como não está imunizado contra a covid, ele não pode entrar em algum estabelecimento da cidade, que exige a vacinação para seus frequentadores.
“É uma clara demonstração de que ele não mudou. Ele continua pensando exatamente igual, diferentemente de outros chefes de Estado”, afirma Calheiros.
‘Pazuello de jaleco’
Sobre o relatório da CPI, Renan disse que ele poderá ficar pronto a partir nesta quinta-feira, 23, mas sua apresentação só deverá acontecer nas próximas semanas. “A partir de quinta-feira, estaremos em condição de apresentar a qualquer momento o relatório. Mas há um esforço em função de desdobramentos óbvios dos últimos dias de que possamos ter mais uma ou duas semanas de trabalho. Nessas condições, só vamos apresentar o relatório depois do último depoimento”, disse o senador.
O senador afirmou que o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, deverá ser apontado no relatório. Queiroga é um dos 26 investigados pela comissão.
“Sua presença no ministério significou em, português claro, uma contradição. Tanto que em vários momentos da CPI brinquei que ele tinha se transformado em uma espécie de Pazuello de jaleco, em função das maneiras como aceitava as loucuras sugeridas pelo Bolsonaro”, afirma o relator.
“Uma delas foi a suspensão das vacinas para adolescentes, a partir de mentiras, e ele próprio reconheceu que tinha aceitado uma sugestão do presidente da República, o que agrava muito mais a sua situação”, completa. O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito afirmou que Queiroga “já evoluiu para a condição de indiciado”.
“E deverá ser responsabilizado por suas práticas também, como os demais que serão responsabilizados pela comissão”, afirmou o senador.