O corte de R$ 2 bilhões nas universidades federais promovido pela gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) agravou a crise das instituições, que já enfrentam atraso de fornecedores, fim de atividades de extensão e redução de benefícios aos estudantes. A Folha ouviu reitores, professores e alunos de 14 das 68 unidades do país, que relatam impacto no cotidiano dos campi e dizem que, caso seja mantida, a medida pode colocar em xeque o funcionamento dessas instituições no segundo semestre.
Os bloqueios atingiram até agora, em média, 30% das verbas discricionárias das federais –que incluem manutenção e investimentos, sem contar salários–, mas ainda podem ser maiores, já que na semana passada o governo definiu um novo bloqueio de R$ 1,6 bilhão cuja divisão por área ou órgão ainda está sendo analisada. Ao todo, as restrições no orçamento devem atingir cerca de 1,3 milhão de alunos do ensino superior.
Uma das primeiras afetadas pela medida do ministro da Educação, Abraham Weintraub, a Universidade Federal da Bahia terá R$ 43 milhões a menos para custear serviços como água, energia e segurança e já tem fornecedores com pagamentos em atraso. Na última quarta (8), os funcionários de uma das empresas que prestam serviço de vigilância dos campi paralisaram as atividades por não terem recebido os salários.
“Há uma intranquilidade dos fornecedores, que sabem que estamos vivendo um momento de restrição. Começamos a ter dificuldades até mesmo nas nossas licitações”, diz o reitor João Carlos Salles. Pelo menos quatro universidades federais –do Rio de Janeiro, de Pernambuco, Santa Catarina e da Bahia”” estimam que, sem novos aportes, só terão condições de funcionar plenamente até, no máximo, agosto deste ano.
A UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que teve o maior corte (R$ 114 milhões), diz que os serviços básicos podem parar em junho. “O que já estava ruim torna-se intolerável”, diz o reitor Roberto Leher, também relatando tensões com fornecedores. Segundo ele, a instituição, que há anos fecha suas contas com déficit, está no limite e já fez todos os cortes estruturais possíveis, como demitir mais da metade dos 5.000 funcionários terceirizados.
“É impossível ficar um dia sem segurança ou dois dias sem limpeza nos campi. Temos uma produção muito grande, por exemplo, de lixo hospitalar e produtos químicos. Não dá para improvisar.” O reitor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Anísio Brasileiro, avalia que terá que fazer cortes drásticos em serviços de segurança, energia e limpeza. O mesmo deve acontecer na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), onde a tesoura reduziu o orçamento em quase R$ 60 milhões.
“Foi assinada nossa sentença de morte, e muito doída. Educação não se constrói da noite para o dia”, diz Cristiane Derani, pró-reitora de pós-graduação da UFSC. Na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), as restrições já atingem a assistência estudantil. Os alunos de matemática de baixa renda, por exemplo, deixaram de receber o benefício de R$ 180 por semestre para aquisição de itens como compassos, réguas e cadernos.
Agora, eles temem que também sejam encerradas as monitorias, nas quais estudantes de semestres avançados recebem R$ 400 mensais para ajudar alunos com dificuldades. “As monitorias ajudam a diminuir a evasão e a reprovação nas disciplinas básicas do curso”, diz Ana Paula Santos, 21, aluna do segundo semestre. Projetos de extensão também estão ameaçados na UFSC. É o caso do projeto de robótica desenvolvido em Araranguá (a 215 km de Florianópolis) por 20 alunos que equiparam um laboratório com recursos próprios e doações para desenvolver robôs e levá-los a competições e demonstrações em escolas.
Na UFRJ, uma das preocupações é garantir condições para manter as pesquisas em andamento. “Uma coisa é parar o administrativo por 15 dias, mas na pesquisa não dá. Tem laboratórios que trabalham com cobaias vivas”, diz Eduardo Raupp, vice-presidente do sindicato de docentes. Na Universidade Federal de Minas Gerais, alunos temem impactos em serviços como restaurantes e residências universitárias. Segundo o Diretório Central dos Estudantes, são quase 9.000 alunos com assistência estudantil e, dentre eles, cerca de 5.700 hoje não pagam por alimentação.
A redução da assistência estudantil e consequentemente do número de alunos em federais como a Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto) pode impactar na economia das cidades, uma vez que a universidade atrai estudantes de outros municípios e estados e tem papel central no emprego e na renda da região. Os cortes de recursos ainda devem atrasar a implantação de novas universidades previstas.
Criada em 2018, a federal de Rondonópolis, em Mato Grosso, já tem infraestrutura e corpo docente, mas ainda não teve liberação do governo sequer para a criação do cargo de reitor. Em março, Bolsonaro assinou um decreto com a extinção de 460 funções gratificadas das novas universidades. A Universidade Federal de Catalão, em Goiás, vive situação semelhante.
Criada a partir de um desmembramento da Universidade Federal de Goiás, ela tem 4.000 alunos mas ainda não tem reitor instituído. Para o professor André Vasconcelos da Silva, os cortes inviabilizam a instituição: “É uma universidade que já nasceria morta”, afirma.