A disseminação do novo coronavírus colocou a luz ultravioleta em destaque como um alternativa para esterilização de ambientes e superfícies. A técnica é usada há pelo menos um século, mas seu alcance é limitado e o contato direto com pessoas, animais e plantas é prejudicial.
Existem diferentes tipos de radiação ultravioleta, divididos de acordo com o comprimento de onda com o qual viajam pelo ambiente, que está na ordem de nanômetros. Alguns desses raios são mais eficientes na eliminação de germes.
Ao interagir com o material genético de um vírus ou uma bactéria, a radiação causa um dano que impede o microrganismo de se reproduzir –ou se multiplicar, no caso dos vírus, que dependem das células de um hospedeiro para fazer a replicação de seu material genético (RNA ou DNA), explica Mario Bernal, professor no Instituto de Física da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Assim, o microrganismo fica inativo e não consegue dar início à infecção. “O nível de inativação depende da dose de radiação. Quanto maior for a dose, maior é a probabilidade de inativar mais microrganismos. Mas não é possível uma inativação total”, afirma Bernal. A radiação mais eficiente nesses casos é a ultravioleta do tipo C.
O físico lembra que o uso dos equipamentos que emitem a radiação deve ser feito sem a presença de pessoas, animais ou plantas no mesmo ambiente. Os danos às células que essa luz pode causar vão de queimaduras a câncer, no caso de uma exposição prolongada.
O sol emite essa radiação também, mas a maior parte dos raios ficam retidos na atmosfera. É assim que o bronzeado acontece, por exemplo, quando nossa pele é atingida pelos raios ultravioleta do tipo A e B (UVA e UVB).
No fim de maio, o metrô de Nova York começou a testar o uso de lâmpadas com ultravioleta para desinfectar os vagões. O processo é feito quando os trens estão vazios e estacionados.
A entidade responsável pelo trânsito na cidade, a MTA New York City Transit, disse em comunicado que um experimento realizado pelo Centro de Pesquisa Radiológica da Universidade Columbia atestou a eficácia do equipamento usado pela organização, da empresa Puro, para eliminar o novo coronavírus.
A Signify, detentora da marca Philips, também publicou um comunicado no qual diz que experimentos na Universidade de Boston validaram o uso de suas lâmpadas com ultravioleta C para eliminar o Sars-cov-2.
Ambientes fechados são especialmente perigosos para a transmissão da Covid-19. Em um pré-print publicado por pesquisadores da China em abril deste ano os cientistas afirmam que o compartilhamento de espaços fechados é de alto risco para a infeção pelo Sars-cov-2.
Os pesquisadores analisaram mais de 300 relatos de contaminação que envolveram três ou mais infectados, e todos eles aconteceram em ambientes internos. O artigo ainda não foi revisado por outros cientistas.
No Brasil, algumas empresas já começam a vender máquinas de luz ultravioleta voltadas para a esterilização de superfícies e salas.
A Biolambda foi fundada em 2017 para desenvolver equipamentos de pesquisa científica. Com a chegada da pandemia, a companhia adaptou seu negócio e dentro de cerca de um mês desenhou e incluiu em seu portfólio produtos que usam a radiação para desinfecção de superfícies (R$ 1.500), ar de ambientes fechados (de R$ 10 mil a R$ 15 mil) e máscaras (R$ 7 mil).
No equipamento usado para eliminar microrganismos do ar, um exaustor puxa o ar para dentro de uma câmara fechada onde entra em contato com as lâmpadas de ultravioleta. De acordo com a empresa, o aparelho é indicado para ambientes como escritórios.
O fundador da empresa, Caetano Padial Sabino, é formado no curso de Ciências Fundamentais para a Saúde, da USP, e foi pesquisador visitante no Centro para Fotomedicina Wellman, da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. “Cansei de salvar rato e camundongo e resolvi salvar pessoas”, diz Sabino.
Segundo Sabino, a lâmpada utilizada pelo equipamento da Biolambda passou por uma validação de seu uso para combater o novo coronavírus com a equipe do pesquisador Lucio Freitas-Júnior, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP), que testa milhares de compostos semanalmente para encontrar potenciais terapias contra a Covid-19.
Mesmo com os benefícios comprovados, o fundador lembra que o uso do equipamento exige cuidados. “A radiação ultravioleta pode ajudar muito, mas também pode fazer muito mal à saúde”, alerta.
A FTR, com sede no Paraná, também importa e distribui lâmpadas do tipo no país. A empresa, que tem como negócio principal máquinas contadoras de cédulas e moedas fabricadas na China, adaptou sua operação para trazer os emissores de radiação ao Brasil.
Segundo Fábio Roberto Teodoro, o aparelho, que recebeu o nome de Esterelize, não passou ainda por testes para verificar a eficácia contra o novo coronavírus, mas já foi validado para uso contra outros tipos de microrganismos, incluindo outros coronavírus. Ele também emite a luz ultravioleta do tipo C.
Devido aos danos que pode causar para a saúde, o aparelho contém um sensor que apaga a lâmpada quando alguém se aproxima dele. Igrejas, consultórios e cinemas estão entre os clientes da empresa, conta Teodoro.
Ainda neste ano, a empresa deve começar a venda de uma cabine que usa a radiação para esterilizar roupas. O uso seria voltado para provadores de lojas.
A rede de supermercados Carrefour instalou uma máquina de radiação ultravioleta para a eliminação do patógeno em uma loja na cidade de Osasco, na Grande São Paulo. Segundo a empresa, a iniciativa faz parte de uma nova fases de procedimentos de segurança que estão sendo implementados na loja, onde realiza testes.
As compras empacotadas são colocadas no carrinho e passam pelo aparelho, que é fechado quando a radiação é emitida para a proteção das pessoas ao redor. Sabino, da Biolambda, lembra que a técnica tem uma eficácia limitada, já que a radiação consegue atingir apenas as superfícies diretamente expostas à luz.