Surto de sarampo em dois estados, suspeitas de poliomielite no outro lado da fronteira e ampla divulgação do risco de retorno de doenças que se pensava extintas.
Após 25 dias de campanha de vacinação com postos abertos aos sábados, agentes de saúde de casa em casa e mutirão em escolas, mais de 2 milhões de crianças ainda não tinham sido imunizadas contra as duas doenças até sexta-feira.
A mobilização começou após a constatação de baixos índices de imunização. Em 2017 eles atingiram o menor patamar em 16 anos.
A preocupação aumentou com a profusão de casos de sarampo no Amazonas e em Roraima e com a identificação de duas suspeitas de pólio na Venezuela – que depois foram descartadas. As duas doenças já haviam sido declaradas eliminadas no Brasil.
Diante do risco de que elas voltem, o Ministério da Saúde avalia fazer uma pesquisa para tentar explicar a dificuldade de atingir as metas de vacinação. A Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo também planeja levantamento sobre o tema nos municípios.
Enquanto os resultados não chegam, a reportagem nas últimas semanas ouviu pais, mães, profissionais de saúde, especialistas e gestores para entender por que tantas famílias estão correndo tamanho risco ao não levar seus filhos para serem vacinados.
Algumas explicações foram elencadas com frequência. Elas vão de problemas dos serviços públicos a percepções equivocadas das famílias.
DIFICULDADE
No último dia 25, funcionários da UBS Jaguaré, na zona oeste de São Paulo, ligavam para todas as famílias cadastradas na unidade que não haviam levado os filhos para vacinar. Mas nem todos os postos do país têm listas telefônicas como essa.
Até pouco tempo atrás, não havia sistema nacional que registrasse nominalmente as pessoas imunizadas. Uma base nesses moldes foi desenvolvida pelo Ministério da Saúde, mas seu uso é limitado.
Por um lado, só 65% das salas de vacinação do país implantaram o sistema. Por outro, as que o fizeram têm dificuldade de enviar os dados.
A situação é agravada pelo descuido com a carteira de vacinação, diz Carla Domingues, coordenadora do PNI (Programa Nacional de Imunizações). “Ninguém perde toda hora o passaporte. Com a caderneta tem que ser igual.”
FALSA SEGURANÇA
É consenso entre gestores e especialistas que o Brasil é, de alguma forma, vítima do sucesso do programa de vacinação. Sem ver doenças extintas há anos, famílias e médicos deixam de lado a prevenção. “Parece que muitos pais ainda não acreditam que sarampo e pólio podem trazer consequências muito graves para seus filhos”, diz Domingues.
O vírus da pólio ainda circula em três países (Afeganistão, Nigéria e Paquistão). Se uma pessoa infectada em algum deles vier ao Brasil, a doença pode voltar. O sarampo, por sua vez, já chegou com força, com surtos atualmente no Amazonas e Roraima e casos isolados em outros estados. E não causa só febre e manchas, lembra Sato, da secretaria paulista: pode provocar pneumonia e até morte.
INCOMPREENSÃO
A campanha realizada nas últimas semanas é “indiscriminada”, ou seja, mesmo quem já tinha tomado as vacinas de rotina precisava tomar as doses da campanha.
Isso porque há um índice de crianças que não desenvolvem imunidade após as doses regulares. É o caso de 2% a 5% no caso do sarampo, diz Isabella Ballalai, da Sociedade Brasileira de Imunizações.
Em um momento de surto no país, esse risco pode atingir muita gente. Domingues, do PNI, alerta que entre os casos atuais de sarampo no país há crianças que já haviam tomado as duas doses regulares da vacina contra o vírus.
MEDO DOS EFEITOS COLATERAIS
O temor de efeitos colaterais fez a artesã Raquel Gonçalves esperar o aval do pediatra para autorizar a vacinação do filho na escola. “A gente sempre fica com pé atrás com vacina”, afirma ela.
A imunização, porém, é segura, e o risco de não vacinar é muito maior. A presidente da entidade de Imunologia ressalta que, no caso do sarampo, os efeitos adversos, quando ocorrem, manifestam-se quase sempre após a primeira dose. Na terceira dose, não há risco, explica.
O medo de efeitos colaterais se enquadra no que a literatura chama de extremos de informação, diz a pesquisadora Márcia Tauil. “Enquanto algumas pessoas têm pouca informação, outras têm tanta que optam por não vacinar”, afirma.
HORÁRIO LIMITADOS
A pesquisadora recentemente viu na prática seu objeto de estudo, os desafios da cobertura vacinal: ao levar seu filho para ser imunizado, pediram-lhe a certidão de nascimento.
Exigências desnecessárias como essa estão na origem da chamada perda de oportunidade: a família vai ao posto, mas não consegue a vacina.
Segundo Mauro Junqueira, presidente do Conasems (entidade dos secretários municipais), cobranças de órgãos de controle para evitar desperdício às vezes agravam o problema, pois as vacinas vêm em frascos de muitas doses. Com isso, diz, para não ter que jogar o frasco fora após vacinar só uma criança, às vezes o gestor pede para a mãe voltar em dia de mais movimento.
Além disso, o grande fluxo de pessoas nos dias D de vacinação, aos sábados, mostra que a abertura de postos ao final de semana é um incentivo importante.
“As mulheres estão no mercado de trabalho, não dá mais para unidades abrirem de segunda a sexta, das 8h às 11h e das 14h às 17h”, diz a chefe do PNI.