O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse à reportagem que a pasta deve avaliar a inclusão no SUS de produtos à base de canabidiol. Esse derivado da maconha é conhecido por ter efeitos terapêuticos. A medida ocorre após a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovar novas regras para registro desses produtos. Isso que acabaria por permitir sua venda em farmácias.
“Vamos ver qual o escopo que a Anvisa dá. Para o canabidiol já sabemos, e acho que ele se encaixa no SUS. Temos usuários que precisam do canabidiol, e temos feito há muito tempo essa discussão, porque temos crianças com crise convulsiva reentrante [sucessivas].” Uma eventual inclusão no SUS, porém, seria apenas “dentro do que tem demonstração técnico-científica”, diz o ministro.
Desde 2015, quando a Anvisa passou a permitir a importação de produtos como óleos à base de canabidiol, ao menos 7.786 pacientes já obtiveram esse aval. Os casos mais frequentes são epilepsia, autismo, dor crônica e doença de Parkinson. O alto custo desses produtos, de ao menos R$ 1.200 ao mês, no entanto, tem levado a um aumento de ações judiciais que obrigam o SUS e planos de saúde a fornecerem o produto aos pacientes.
Só em São Paulo, o número de ações judiciais que determinam que o estado forneça remédios e produtos derivados da Cannabis cresceu 18 vezes em quatro anos, como a Folha de S.Paulo mostrou em outubro. Já o Ministério da Saúde gastou em 2018 cerca de R$ 617 mil para comprar remédios, mais do que o dobro do ano anterior –R$ 277 mil. Neste ano, foram dispensados R$ 124 mil até agosto.
Segundo Mandetta, a pasta deverá chamar os conselhos federais de farmácia e medicina para debater os impactos da decisão da agência. Ao mesmo tempo em que diz ver a possibilidade de distribuição do canabidiol, ele critica a inclusão nas normas que permitem o registro de produtos que contenham THC (tetrahidrocanabinol). A substância também é derivado da maconha alvo de estudos, mas vista com ressalvas pela pasta por “dar barato”.
O texto aprovado prevê a cobrança de receitas tipo B (azul, como as usadas para medicamentos com algumas substâncias psicotrópicas) para produtos com até 0,2% de THC. Ele também exige receitas do tipo A (amarela, para entorpecentes e psicotrópicos, semelhante à usada para morfina) para aqueles acima desse valor –mas apenas para pacientes terminais ou sem outra alternativa terapêutica.
Para Mandetta, a agência fez uma opção “fora do campo científico” ao permitir um aval a produtos sem todos os testes que comprovem eficácia e segurança. “Temos de ver agora as indicações e para que isso se aplica. Mas, quando começa uma coisa assim e ninguém demonstra com estudo randomizado, que é chato de fazer, vejo com certa desconfiança. Não acredito em panaceia, em coisa que serve para tudo.”
O teste randomizado a que se refere o ministro é um tipo de protocolo, considerado padrão-ouro, no qual dois grupos de pacientes são formados aleatoriamente, um deles para o tratamento a ser testado e outro para o padrão, o que permite comparações de taxas de sucesso. Nos últimos meses, o ministério já havia emitido um parecer em que recomendava à agência que concedesse o registro apenas ao canabidiol, e somente para casos de epilepsia refratária, quando não há resposta aos tratamentos convencionais.
A posição, no entanto, foi interpretada como restritiva por membros da agência. Isso porque o único medicamento à base de Cannabis já registrado no país, chamado de Mevatyl e indicado para tratamento de espasmos em pacientes com esclerose múltipla, é composto principalmente por THC, além do canabidiol. Em nota, a pasta diz que, com base em consulta aos conselhos de farmácia, medicina e sociedade de neurologia, “encontra respaldo científico para o uso do canabidiol, em situações como crise convulsiva reentrante”. “O uso do THC, no entanto, não tem amparo no meio medicinal”, informa.
A decisão da Anvisa ocorreu na terça-feira (3). Inicialmente, a agência também discutia dar aval ao plantio da maconha para pesquisa e produção de medicamentos por empresas, mas a medida foi rejeitada por três votos a um.
Associações de pacientes afirmam que a restrição deve fazer com que os preços fiquem mais altos, uma vez que as empresas interessadas em produzir no Brasil terão de importar matéria-prima semielaborada.
Já Mandetta classificou a decisão contrária ao plantio de “bom senso”. Ele ainda fez críticas ao processo de debate na agência. “A Anvisa trabalhou muito numa ilha, muito isolada, e debateu pouco com as instituições. As decisões têm sido tomadas sem levar em consideração outros impactos no sistema”, disse. Questionada, a Anvisa disse que a decisão de aprovar a proposta de regular produtos à base de Cannabis foi tomada “depois de consulta pública com ampla participação da sociedade e de consultas dirigidas igualmente representativas”.