Mais novo ministro de Jair Bolsonaro, o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), conhecido como uma espécie de relações públicas do Exército e também do presidente, carrega algo tido como incomum, e às vezes até inaceitável, para o atual governo: tem proximidade com políticos da esquerda, do PT ao PSOL.
Na última semana, Bolsonaro fez duras manifestações contra os então presidentes dos Correios, general Juarez Aparecido de Paula Cunha, e o do BNDES, Joaquim Levy, por ligação com petistas. Levy deixou o cargo neste domingo (16), e Cunha está de aviso prévio no governo.
Durante a campanha, enquanto o comando das Forças Armadas pedia discrição, Ramos nunca escondeu de que lado estava. Além de visitas ao hospital para ver Bolsonaro, após o episódio da facada, ele intermediou entrevistas e fez postagens em redes sociais para defender o amigo.
Desde antes de se confirmar o resultado da eleição, as pessoas mais próximas já cravavam: o general teria algum cargo no governo. Seis meses depois, o general chega nesta segunda-feira (17) para integrar o ministério do presidente.
De acordo com relatos de aliados de Bolsonaro, o presidente já tratava Ramos como um ministro havia algum tempo. Tanto que, na terça-feira (11), levou o general num jantar promovido pelo presidente da Fiesp, Paulo Skaf, com 45 empresários de diferentes setores da economia.
Segundo participantes do encontro, o comandante militar do Sudeste já circulava e posava para fotografias como futuro ministro ao lado de nomes como Abílio Diniz, Lázaro Brandão, Carlos Zarlenga e Rubens Ometto. Próximo de políticos, em março, Ramos causou surpresa em parlamentares da bancada paulista do PSL.
Por seu convite, houve um almoço de deputados na sede do Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, do qual era chefe antes ser promovido ministro.
O objetivo do encontro era falar sobre a reforma da Previdência. O general reservou ao seu lado três lugares, para Arlindo Chinaglia (PT-SP), Ivan Valente (PSOL-SP) e Paulinho da Força (SD-SP), causando perplexidade em Alexandre Frota (PSL-SP) e Carla Zambelli (PSL-SP).
Mais do que o gesto, Ramos fez questão de falar sobre a relação próxima que mantém com os deputados das siglas de esquerda. A conversa foi além da proposta de reestruturação da carreira e de mudanças na aposentadoria. Falou-se da inexperiência do presidente Jair Bolsonaro na articulação política, do papel do vice, o também general Hamilton Mourão, e da crise na Venezuela.
Naquele mesmo dia, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) havia defendido no Chile o uso da força para tirar o ditador Nicolás Maduro do poder. “Como profissionais da guerra, defendemos a paz”, disse Ramos, sem constrangimento em contrariar o filho do presidente na frente de seus correligionários de partido.
A disposição ao diálogo, mesmo com aqueles que estão em campo oposto a seu posicionamento político-ideológico, é apontada como sua principal característica. O bom trânsito entre políticos foi construído quando integrou a assessoria parlamentar do Exército no Congresso.
Em 2006, por exemplo, o deputado Ivan Valente (PSOL) foi convidado pelos militares para uma missão na Amazônia. A viagem de cerca de uma semana acabou aproximando o parlamentar do general. “Se eu fosse ele, não iria para o ninho de cobras do bolsonarismo. Ficaria em São Paulo. Aqui o diálogo rola mais solto. Vou dizer isso a ele se me consultar”, afirmou Ivan Valente à reportagem.
O deputado do PSOL diz que Ramos é “aberto a ouvir” e, diferentemente de grande parte da caserna, reconhece que houve ditadura, mas que o país precisa superar aquela fase. “Lembro que durante a viagem à Amazônia eu, que fui perseguido, preso, torturado e condenado pelo regime militar, brincava com ele, dizendo: tem certeza que não está me levando para o pau de arara, né?”
Crítico da atuação do antecessor, o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), se disse fã do novo. “Tem experiência, traquejo, conhecimento e é da extrema confiança e amizade pessoal do presidente”, afirmou.Major Olímpio disse que Ramos é “respeitoso com pessoas de todas as classes sociais” e alguém que “ouve muito e é humilde”.
RELAÇÕES PÚBLICAS
Durante a campanha, general Ramos ficou ainda mais conhecido em emissoras de televisão. No período, intensificou as visitas a executivos, o que já fazia antes, como se vê em sua conta no Twitter, em que há fotos, por exemplo, com Johnny Saad, presidente do grupo Bandeirantes.
O bom trânsito nos meios de comunicação lhe rendeu status informal de relações públicas do Exército e, depois, também do então candidato Jair Bolsonaro.
Enquanto oficialmente o órgão pedia cuidado aos seus membros em relação à eleição, Ramos sempre deixou claro de que lado estava. A amigos chegou a confidenciar que recebeu internamente alguns “puxões de orelha”, por ser menos discreto do que deveria.
Nos encontros nas emissoras, segundos relatos, o general apresentava uma preocupação específica: de que as urnas fossem fraudadas e, com isso, o resultado da eleição fosse comprometido.
Em algumas ocasiões, pediu ajuda aos executivos nesse sentido, com a atuação dos meios de comunicação, caso houvesse necessidade.
Após o atentado contra Bolsonaro, em 6 de setembro, a relação entre os dois ficou ainda mais intensa, assim como o envolvimento do general com a campanha –o que ele sempre negou.
Sob a justificativa de que havia sido vetado por seus médicos, o então candidato do PSL não participou dos debates eleitorais, ainda em recuperação pela facada que o atingiu.
No dia do debate da TV Globo, o último do primeiro turno, em 4 de outubro, no entanto, Bolsonaro acertou com a TV Record uma exclusiva, ao Jornal da Record, em horário muito próximo ao encontro dos candidatos no canal concorrente. Ramos foi um dos que mais trabalhou para a entrevista ocorrer.
A boa relação com emissoras, porém, não era exatamente equânime. Sobre a Globo, por exemplo, sempre confidenciava a pessoas próximas que tinha restrições.
Durante a corrida presidencial, fez uma série de críticas ao grupo, reclamando de dados que eram apresentados sobre as chances de Bolsonaro, por exemplo.
Nesse sentido, a proximidade com o então candidato só crescia. O general sempre fazia eco, quando não era o primeiro a reclamar, de reportagens consideradas ruins sobre o político, concordando em apelidá-las de “fake news“.
O bom humor, dizem os parlamentares que convivem com Ramos, é uma das principais características do general. No Planalto, aliados de Bolsonaro afirmam que, dentre tantos atritos com Santos Cruz, o presidente sempre relatava incômodo com a dificuldade de o agora ex-ministro dar um sorriso.
QUEM É O GENERAL LUIZ EDUARDO RAMOS BATISTA PEREIRA, QUE ASSUMIRÁ A SECRETARIA DE GOVERNO
Chefe do Comando Militar do Sudeste desde maio de 2018, comandou a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) de 2011 a 2012. Também já foi vice-chefe de Estado-Maior do Exército e comandou a 11ª Região Militar, em Brasília, e a 1ª Divisão de Exército, no Rio de Janeiro (RJ).
Em abril, Bolsonaro participou de uma solenidade no Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, ao lado de Ramos e falou sobre a convivência com o novo ministro em uma unidade em Campinas: “Meu amigo dos idos 1973, quando sentamos praça em março de 73, na Escola Preparatória de Cadetes do Exército.”
“Pouca coisa mudou entre nós de lá para cá a não ser a nossa silhueta. A vontade, o espírito e o patriotismo continuam os mesmos.”
Como a Folha de S.Paulo mostrou na sexta (14), a relação dos dois no Exército era próxima. Eles dividiram quarto quando cadetes. Nas conversas dos dois, o presidente é o “cavalão” e Ramos, o “pitbull”. Hoje, Ramos está em praticamente todos os eventos de Bolsonaro em São Paulo.