Funcionários permanentes em órgãos como o Ibama representam 56%, mas chegavam a quase 90% em 2013, aponta pesquisa; situação pode indicar precarização
Uma explosão de contratação de servidores temporários nas autarquias do Ministério do Meio Ambiente tem ocorrido sob o governo Jair Bolsonaro (PL). Segundo especialistas em administração pública e ambiental, a perda de funcionários permanentes e a entrada em grande escala de temporários pode levar a uma precarização da governança ambiental.
Uma análise feita pela República.org mostra que desde o começo do governo Bolsonaro houve um salto de 564% no total de servidores temporários contratados nas autarquias ambientais, que englobam o Ibama, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. O número saltou de 396, em 2019, primeiro ano do atual governo, para 2.630, em 2022.
A entidade, que visa melhorar a gestão de pessoas que fazem parte do serviço público brasileiro, usou dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do Siape (Sistema Integrado de Administração de Pessoal), além de portais de transparência de estados e municípios.
De 2013 até o ano atual, o número máximo de servidores temporários tinha sido de 708, em 2015, com números anteriores e posteriores bem inferiores, de forma geral.
Ao mesmo tempo, tem ocorrido uma perda ininterrupta de servidores permanentes nas autarquias. O processo já é conhecido e tem recebido destaque com alguma frequência, com apontamentos da fragilização que esse tipo de contexto pode trazer para serviços públicos especializados na área ambiental.
Os servidores permanentes representavam quase 90% dos vínculos de contrato das autarquias em 2013. No ano atual, representam cerca de 56%.
A maior parte dos vínculos temporários está concentrada no ICMBio, segundo a República.org.
Ao mesmo tempo em que cai o número de funcionários permanentes e cresce o de temporários, o salário médio nas autarquias se reduz.
Segundo Vanessa Campagnac, gerente de dados e comunicação da República.org e uma das autoras, uma das hipóteses levantadas, vendo a queda na folha de pagamento, é que as vagas ocupadas pelos temporários sejam de menor qualificação e que não esteja havendo uma substituição dos servidores permanentes que saíram.
“O dado, em si, é muito preocupante”, diz Campagnac. “O temporário tem outro tipo de compromisso com o estado e com a máquina pública. E a gente pode supor, com certa segurança, que um vínculo permanente em uma pasta de Meio Ambiente está mais suscetível a receber capacitação, ter desenvolvimento profissional que qualifica a atuação para prestar o melhor serviço público. E, quando tem o temporário, não temos como garantir isso. Ele está ali tapando um buraco.”
Ela pondera que, assim como os cargos comissionados, os temporários também devem existir dentro da máquina pública, mas que essas manobras com servidores precisa ser feita com cuidado. “Para gestão dos times, se isso não for bem conduzido, pode ter um impacto na operação”, diz Campagnac.
Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, diz que os sinais trazidos por esses dados são negativos e resume o quadro como uma terceirização sem exigência de especialização na questão ambiental.
“É um quadro mais amplo da administração pública federal, não é exclusivo do Ministério do Meio Ambiente, mas certamente aponta problemas, que repercutem nos resultados menos eficazes em termos de políticas públicas”, afirma Araújo. “Está na hora de revalorizar o servidor o público.”
O caso do Ibama, uma das autarquias analisadas no levantamento, é bem conhecido por Araújo, que é ex-presidente do instituto. “Há cerca de 5.000 vagas para servidores e não tem metade disso trabalhando. No governo Bolsonaro, o concurso que fizeram para o Ibama e o Instituto Chico Mendes está longe de suprir as demandas das duas autarquias, mas longe mesmo.”
Segundo Araújo, a seleção pública priorizou servidores de nível médio e foi executada só como uma forma de tentar mostrar serviço na área ambiental.
Desde o seu início, o governo Bolsonaro tem sido amplamente criticado por falta de ações efetivas na área ambiental e pelo crescimento contínuo e acentuado no desmatamento da Amazônia. Bolsonaro tem sido acusado até mesmo de incentivar ações de destruição ambiental, considerando suas falas contra agentes de fiscalização e a defesa que faz de ações com amplo impacto, como mineração em terras indígenas.
A ex-presidente do Ibama também afirma que, no contexto de diminuição de servidores efetivos, a partir do governo Bolsonaro, passou a haver um maior número de aposentadorias, por dificuldades de atuar na conjuntura da nova administração. “Quem podia aposentar, aposentou”, diz.
A reportagem tentou contato com o Ministério do Meio Ambiente para esclarecer o aumento de servidores temporários, mas, até o momento, não houve resposta.
DESIGUALDADE DE GÊNERO
A República.org também analisou dados estaduais e municipais e achou, em meio a eles, sinais positivos e outros nem tanto.
Um ponto problemático, segundo a análise, é a baixa presença feminina em cargos executivos ambientais nos estados. Somente 2 em cada 10 cargos de liderança de órgãos executivos são ocupados por mulheres.
Na esfera municipal, o valor é praticamente o mesmo.
Ao mesmo tempo, as mulheres que chegam a esses cargos são mais escolarizadas do que os homens na mesma posição. São 8 em cada 10 delas com pós-graduação, em comparação a 6 de cada 10 deles. Nos municípios, os números também são parecidos, com 78% das mulheres com superior completo ou pós-graduação, e somente quase 52% deles com o mesmo nível de ensino.
Já no governo federal, quase 29% dos cargos são ocupados por mulheres, das quais cerca de 81% têm graduação ou pós; entre os homens, esses níveis de ensino são alcançados somente por 47% dos servidores.
“Não é surpreendente, mas é bem ruim”, afirma Campagnac, apontando que padrões semelhantes são encontrados no mercado de trabalho.
Ao mesmo tempo, há bons exemplos. Cidades nos estados de Roraima e Piauí são as menos desiguais para a presença de mulheres em cargos de liderança.
O levantamento também observou quais tipos de capacitação eram mais oferecidos para os servidores públicos. E aqui entra outro destaque positivo. Estados do Nordeste e Sudeste abordaram, com maior frequência, a questão da participação social em fóruns e colegiados de meio ambiente. A ajuda da sociedade civil vem vem ganhando mais espaço internacionalmente.
“Tem ocorrido esse investimento para que essa participação seja qualificada. Muitas vezes porque os gestores não estão preparados para lidar com aquela participação, eles acham que tudo é mimimi”, afirma a especialista do República.org.
Esse tipo de preocupação com a sociedade civil ganha ainda mais importância, diz Campagnac, ao se considerar o contexto do governo Bolsonaro em que diversas instâncias de participação social foram encerradas. “É uma luz no fim do túnel”, afirma a especialista.