A diarista, Fabiana Soares da Silva, 35, moradora do distrito de Dolearina, foi presa em 27 de julho do ano passado na frente do filho de cinco anos por policiais militares acionados pelos funcionários da empresa
“Não vou mentir. Peguei três baldes de água”. Uma diarista moradora de Estrela do Sul (MG) passou quase quatro meses presa em uma penitenciária do estado depois de reagir a funcionários da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) que fiscalizavam ruptura de lacre do hidrômetro de sua casa bloqueado por conta não paga.
A diarista, Fabiana Soares da Silva, 35, moradora do distrito de Dolearina, foi presa em 27 de julho do ano passado na frente do filho de cinco anos por policiais militares acionados pelos funcionários da empresa.
Fabiana foi enviada para a Penitenciária de Uberlândia, de onde saiu em 19 de novembro depois de habeas corpus concedido pelo ministro Alexandre Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
“Fiquei muito nervosa. Queriam me algemar na frente do meu filho, que começou a chorar”, lembra. Enquanto permaneceu na penitenciária, o garoto ficou com a irmã, também menor, de 17 anos, casada, que mora em Monte Carmelo (MG).
Segundo a diarista, a água era para fazer comida para a criança e limpar a casa. “Nós tínhamos viajado. Ficamos dois meses na casa da minha mãe, que também mora em Monte Carmelo, e paramos de pagar a conta. Quando voltamos tinha que usar água para o almoço do meu filho e limpeza”, diz Fabiana.
O companheiro de Fabiana também foi preso, mas liberado em seguida. A diarista confirma o uso da água, mas afirma que quem rompeu o lacre foi seu companheiro.
No processo que chegou para análise do ministro Alexandre Moraes consta que a diarista foi enviada para a penitenciária depois de ser tratada como reincidente por crime cometido em 2011.
No entanto, segundo a Defensoria Pública de Minas Gerais, autora do pedido de habeas corpus ao STF, a pena já tinha sido integralmente cumprida e não houve nova prisão da diarista até a discussão com os policiais chamados pelos funcionários da Copasa.
Além disso, a Defensoria ressaltou ainda o fato de Fabiana ter um filho de cinco anos, o que foi levado em conta pelo ministro do STF.
“Ora, a natureza do crime imputado, praticado sem violência ou grave ameaça, aliadas às circunstâncias subjetivas da paciente (mãe de uma criança de 5 anos de idade, conforme certidão de nascimento constante do documento 5), está a indicar que a manutenção da medida cautelar extrema não se mostra adequada e proporcional, sendo possível sua substituição por medidas cautelares diversas (…)”, afirma Moraes, na decisão.
A companhia de saneamento afirma que não pediu a prisão da diarista. “Os empregados da Copasa estavam no imóvel, em Dolearina, para refazer um tamponamento na ligação que havia sido violado. A empresa não tinha conhecimento sobre o furto de água”, afirma a empresa, em nota.
A Copasa diz ainda que, diante do comportamento agressivo dos moradores contra seus empregados, a polícia foi chamada. “A companhia repudia qualquer ato de violência e orienta seus empregados que acionem PM somente se ocorrer algum tipo de agressão durante a realização de seus serviços”, diz a empresa, em seu posicionamento.
O promotor do Ministério Público de Minas Gerais André Melo informou via assessoria que Fabiana foi denunciada por quatro crimes: furto qualificado, resistência, desobediência e desacato. Disse ainda que o processo, seis meses depois da prisão, já está em fase final de tramitação. A pena requerida é de 4 anos e 6 meses de reclusão.
A Polícia Militar em Uberlândia não retornou contatos feitos pela reportagem.
A saída da diarista da Penitenciária de Uberlândia foi possível graças a um bilhete. A defensora pública Alessa Pagan Vieira estava em uma fiscalização de rotina no pavilhão feminino da penitenciária em outubro, quando chegou às suas mãos um pedaço de papel enviado por Fabiana.
A diarista na mensagem pedia ajuda, dizendo que estava presa há três meses e que o filho de 5 anos estava com uma outra filha, também menor de idade. “Fiz o habeas corpus ao TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), foi negado, fiz ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), também foi negado, e chegou ao Supremo”, conta.
Conforme a defensora, não havia motivos para que a diarista fosse tratada como reincidente. A sentença, pelo crime em 2011, foi por tráfico. “O que importa é que o fato (a ocorrência policial da água) é sem violência ou grave ameaça, o furto. E que é mãe de criança até 12 anos”, aponta.
Fabiana conta que depois da prisão deixou de conseguir trabalho na região onde mora. “Tinha muita faxina. Agora ninguém me dá serviço”, diz. Além disso, o companheiro da diarista a abandonou depois do episódio envolvendo a Copasa e a polícia. “Perdi tudo. A roupa que tenho foi comprada por meu ex-marido”, conta.
Depois que saiu da prisão. Fabiana pegou o filho que estava com a outra filha menor e foi para a casa de parentes em Goiás. A diarista conta que recebeu também uma doação de R$ 1 mil, mas que o dinheiro foi mandado para Estrela do Sul para pagamento de dívidas.
Depois de Goiás, Fabiana foi para a casa da mãe. A diarista ainda não sabe onde vai morar. “Pretendo recomeçar, mas ainda não sei em qual cidade. Vai ser do zero. Vou precisar do favor dos outros, arrumar um serviço e trabalhar. Lá (no distrito de Doralina) não dá mais. Ninguém vai querer alugar uma casa para mim”.