No Brasil, a interrupção de gravidez não é autorizada a não ser nos casos de estupro, de risco de vida para a gestante e de anencefalia do feto
Em um aceno à sua base ideológica, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei para criar uma data nacional contra o aborto.
A proposta estabelece 8 de outubro como “dia nacional do nascituro e de conscientização sobre os riscos do aborto”.
Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.
A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, publicou um vídeo nas redes sociais ao lado de Bolsonaro e disse que a proposta -junto a outro projeto assinado nesta quarta-feira (21)- “é um avanço na proteção da família e na proteção integral da criança”.
O encaminhamento de uma proposição pela criação de um dia nacional do nascituro é mais um passo na ofensiva do governo Bolsonaro contra o aborto.
A expressão “nascituro” é frequentemente utilizada por ativistas que querem restringir as possibilidades previstas em lei para a interrupção de gravidez.
O termo consta no Código Civil, mas é comumente utilizado por grupos que se opõem ao aborto, inclusive aquele feito dentro das exceções previstas na lei brasileira. Segundo especialistas, o objetivo do uso da expressão nascituro é tentar conferir determinados direitos fundamentais ao embrião, em conflito com os da gestante.
“Direitos fundamentais são protegidos às pessoas nascidas. A proteção que pode haver à vida em potencial é de outra natureza, que não pode ser dissociada inclusive dos direitos das mulheres grávidas”, explicou, em outubro de 2020, Gabriela Rondon, advogada do Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero).
No Brasil, a interrupção de gravidez não é autorizada a não ser nos casos de estupro, de risco de vida para a gestante e de anencefalia do feto.
Na justificativa do projeto, o ministério comandado por Damares afirma que o objetivo da data nacional será “conscientizar a sociedade a respeito das graves consequências da prática do aborto induzido para a saúde física e mental feminina”.
Quando foi indicada ministra de Bolsonaro, no final de 2018, Damares disse que o projeto mais importante que estava em tramitação no Congresso Nacional naquele momento era o chamado estatuto do nascituro.
A versão discutida à época restringia os direitos da mulher em relação ao aborto e previa o pagamento de uma pensão para mulheres vítimas de estupro que decidissem manter a gravidez.
A proposta previa que a pensão alimentícia e outros custos do sustento da criança fossem pagos pelo estuprador. Caso ele não fosse identificado, o custeio deveria ser feito pelo poder público, o que levou a proposta a ser apelidada no Congresso de “bolsa estupro”.
O estatuto classificava o nascituro como ser humano concebido, o que inclui embriões “in vitro”, antes da transferência para o útero da mulher.
Embora houvesse críticas ao aborto em relatórios apresentados por deputados sobre o tema, o projeto não citava alterações nas regras para a interrupção da gravidez nos casos já garantidos em lei.
Mesmo com as possibilidades de aborto previstos na legislação e em entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal), o governo Bolsonaro levou adiante uma série de medidas restritivas que, na visão de especialistas em saúde, reduzem a proteção de mulheres, inclusive as que podem abortar legalmente.
O Ministério da Saúde chegou a editar portarias com regras para o atendimento a mulheres que buscam aborto nos casos previstos em lei, o que especialistas e entidades na área de saúde consideraram uma forma de intimidar gestantes que buscam o procedimento.
Após repercussão negativa, trechos polêmicos da norma foram retirados, como a a exigência de que médicos informassem às grávidas a possibilidade de ver o feto em ultrassonografia, mas outros pontos foram mantidos, como a necessidade de que médicos informem a polícia caso atendam mulheres que buscam interromper a gestação em casos de estupro.
No vídeo publicado nesta quarta, Damares também anunciou o envio ao Congresso de projeto de lei para a criação do “dia nacional de conscientização sobre a paternidade responsável”. Pela proposta, a data deve ser celebrada anualmente em 15 de maio.
“Submetemos essa iniciativa à consulta à sociedade brasileira, com o objetivo criar uma data comemorativa voltada para a conscientização da sociedade a respeito dos direitos, deveres e obrigações de ordem material, social, moral e afetiva que decorrem dos vínculos paterno-filiais e materno-filiais gerando famílias com vínculos familiares mais fortes”, afirma o ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.