Segundo dossiê em poder da CPI da Covid, empresa agiu em acordo com o governo Jair Bolsonaro
O plano de saúde Prevent Senior ocultou mortes de pacientes que participaram —sem conhecimento —de um estudo para testar a eficácia da hidroxicloroquina e azitromicina contra a covid-19. As informações são da GloboNews, que teve acesso a um dossiê da CPI da Covid.
Os documentos encaminhados aos senadores são de médicos e ex-médicos da Prevent Senior e denuncia uma série de irregularidades. Segundo o dossiê, a disseminação da cloroquina e outros medicamentos é resultado de um acordo entre o plano de saúde e o governo Jair Bolsonaro (sem partido).
Desde o início da pandemia, o presidente defende o tratamento precoce, sem eficácia comprovada contra a doença. Ainda segundo a GloboNews, pacientes e familiares não eram informados sobre os medicamentos usados.
A Prevent Senior afirmou que pedirá uma investigação ao Ministério Público para apurar as denúncias “infundadas e anônimas por um suposto grupo de médicos”. Em nota, a operadora diz que, antes que as acusações chegassem a CPI, uma advogada que representa o grupo de médicos insinuou que o dossiê seria encaminhado se um acordo não fosse celebrado.
“Devido à estranheza da abordagem, a Prevent Senior tomará todas as medidas judiciais cabíveis”, informou. O diretor-executivo da operadora de saúde Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, deveria prestar depoimento à CPI da Covid nesta quinta-feira (16), mas faltou.
Nove pessoas morreram durante a pesquisa, mas, publicamente, os autores só mencionam duas mortes. Destes:
- Seis estavam no grupo que tomou hidroxicloroquina e azitromicina
- Dois estavam no grupo que não ingeriu os medicamentos
- Há um paciente cuja tabela não informa se ingeriu ou não a medicação
O estudo começou a ser realizado em 25 de março de 2020 e a sua primeira versão, sem revisão de pares, divulgada em 15 de abril. No artigo, o coordenador do estudo, o cardiologista e diretor da Prevent Rodrigo Esper, menciona as duas mortes no grupo que usou as medicações, mas, diz ele, os óbitos foram provocados por outras doenças, sem relação com a covid ou medicamentos.
“Não houve efeitos colaterais graves em pacientes tratados com hidroxicloroquina mais azitromicina. Dois pacientes do grupo de tratamento morreram durante o acompanhamento; a primeira morte foi devido à síndrome coronariana aguda e a segunda morte devido a câncer metastático”
por Diretor da Prevent Senior diz que mortes no estudo não estão relacionadas ao tratamento precoce ou à covid
Segundo a GloboNews, os documentos da pesquisa não apontam nenhum participante com as doenças mencionadas. Três dias depois, em 18 de abril, o presidente Bolsonaro fez uma postagem no Twitter sobre o estudo. Citando a Prevent Senior, ele diz que foram registradas cinco mortes entre os pacientes do estudo que não tomaram cloroquina e nenhum óbito entre os que ingeriram as medicações.
No dia seguinte, Esper enviou aos seus pesquisadores uma mensagem de áudio com orientações para a revisão de dados do estudo. Ele acrescenta que as informações devem ser “assertivas” e “perfeitas” para que não houvesse contestação. Segundo Esper, a pesquisa vai “mudar o curso da medicina”.
Um ex-médico da Prevent Senior ouvido pela GloboNews confirmou que o estudo foi manipulado para comprovar a eficácia da cloroquina.
Testes escondidos
A GloboNews também teve acesso a mensagens enviadas pelo diretor da Prevent, Fernando Oikawa, para médicos. Ao falar sobre o estudo pela primeira vez ele orienta os profissionais a não informar sobre a medicação usada.
“Iremos iniciar o protocolo de HIDROXICLOROQUINA + AZITROMICINA. Por favor, NÃO INFORMAR O PACIENTE ou FAMILIAR, (sic) sobre a medicação e nem sobre o programa.”
por Diretor da Prevent Senior, Fernando Oikawa
Em julho do ano passado, a Prevent Senior contrariou uma orientação da CFM (Conselho Federal de Medicina) ao enviar kit cloroquina para pacientes sem o diagnóstico confirmado da covid.
Leia na íntegra uma segunda nota de posicionamento da Prevent Senior:
“A Prevent Senior nega e repudia denúncias sistemáticas, mentirosas e reiteradas que têm sido feitas por supostos médicos que, anonimamente, têm procurado desgastar a imagem da empresa usando primordialmente a Globo News e, posteriormente, a CPI da Pandemia.
Em decorrência disso, está tomando as medidas judiciais cabíveis para investigar todos os responsáveis por denunciação caluniosa (e outros crimes) sejam investigados e punidos.
Os médicos da empresa sempre tiveram a autonomia respeitada e atuam com afinco para salvar milhares de vidas. Importante lembrar que números à disposição da CPI demonstram que a taxa de mortalidade entre pacientes de Covid 19 atendidos pelos nossos profissionais de saúde é 50% inferior às taxas registradas em São Paulo.
Lamentavelmente, a Globo News não revelou detalhes das acusações inclusive quanto ao número de mortes ou quais estudos foram avaliados, de modo que a Prevent pudesse se posicionar de maneira precisa, inclusive para comprovar a falsidade das acusações. E mandou um pedido de outro lado tarde da noite, o que dificultou o levantamento dos dados necessários ao correto posicionamento.”