O objetivo da iniciativa ainda é transformar o celular, aparelho com o qual os professores disputam a atenção dos jovens, em um aliado para o aprendizado em sala de aula
Em um vídeo de 60 segundos, com música dramática ao fundo, a professora de ensino fundamental Mônica Zonta, 34, mostra diversas pessoas trancadas em seus apartamentos durante o isolamento social tendo que lidar com as emoções e angústias que a pandemia trouxe. Enquanto isso, o tempo passa freneticamente. Esses lares foram construídos com caixas de papelão, o cenário com massinha de modelar e os bonecos criados a partir de animação digital.
Esse filme curto, “A Caixa”, é resultado do trabalho de conclusão de Mônica do curso de edição audiovisual do Minuto Escola, projeto oriundo do Festival do Minuto e promovido gratuitamente a professores de escolas públicas para que eles ganhem instrumentos para tornar suas aulas mais criativas e atraentes.
O objetivo da iniciativa ainda é transformar o celular, aparelho com o qual os professores disputam a atenção dos jovens, em um aliado para o aprendizado em sala de aula.
“Foi uma grande novidade para mim. Eu fui fazendo meu vídeo depois que colocava meus dois filhos para dormir. Tirei 1.301 fotos para obter o efeito com o stop motion [quadro a quadro] e depois usei outros programas para a finalização”, afirma Mônica.
Ela teve o trabalho premiado no próprio Festival do Minuto, em 2019, e obteve reconhecimento em outras competições no Brasil, na América Latina e até mesmo na Croácia, lugares onde sua obra ficou entre as melhores.
Mônica contou com a ajuda do seu marido para desenvolver os personagens do vídeo digitalmente e teve que refazer o trabalho diversas vezes até obter o resultado que buscava.
“Isso me ajudou a trabalhar minhas próprias frustrações e o meu emocional”, diz a professora da rede municipal de São Paulo.
As aulas de audiovisual passaram a ser virtuais em 2020, na pandemia, o que permitiu oferecer dez mil vagas por ano a professores de qualquer estado, com atendimento individualizado para dúvidas.
O curso nasceu presencial em São Paulo, em 2010 e, nos anos seguintes, teve outras edições na região e também em Tocantins. Desde então, 2.600 professores já ganharam o diploma Minuto Escola.
Hoje em dia, as aulas virtuais chegam a dez estados, incluindo São Paulo e Tocantins, por meio das secretarias de educação. Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande no Norte, Ceará, Santa Catarina e Espírito Santo completam a lista.
As aulas são bem exigentes, de acordo com o cineasta e criador do Festival do Minuto, Marcelo Masagão, um dos três docentes do programa. Para obter o diploma, os alunos precisam fazer prova, ter 75% de frequência e fazer um vídeo de um minuto. Ele afirma que o professor vira aluno e passa a se compreender no contexto do tempo e do espaço.
“Não estamos formando cineastas, mas educadores. Damos o recurso do audiovisual para se expressarem em sala de aula. É para usar o celular, geralmente motivo de distração, de forma legal”, diz o cineasta.
Para Masagão, essas vozes, em especial as da periferia, muitas vezes são desprezadas. “Mas com o curso, eles se empoderam, saem da escola e vão para toda a cidade. É um trabalho coletivo em que cabem todas as inteligências.”
Mônica, a professora do município, começou a aplicar os conceitos sobre o mosquito Aedes aegypti em sala de aula. A turma vai se utilizar de um dos recursos mais conhecidos do cinema, o chroma key (fundo verde), para realizar o trabalho.
“Em vez de fazer leitura de texto, que poderia ser mais monótono, vamos a campo para aprender com mais dinamismo. Faremos um vídeo-notícia”, afirma Mônica.
CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS
Professora de artes do ensino fundamental da rede estadual de São Paulo, Michele Gesteira, 37, fez o curso e afirma que as aulas a estimularam a pegar a câmera e fazer “Um Verso, Universo”, vídeo em que mostra a passagem do tempo da janela de um apartamento com tela de proteção. A ferramenta passou a ser usada em sala de aula.
“Muitas vezes a [disciplina de] arte acaba indo para o lado técnico, mas o que esse curso ajudou nas minhas aulas foi na construção de narrativas. É um recurso que estimula a criatividade e traz repertório. Os alunos do 5º ano são os mais empolgados.”
Educador, professor e um dos coordenadores do Minuto Escola, Moira Toledo afirma que uma das intenções é fazer com que o professor domine a linguagem do minuto.
“Eles aprendem que dá para misturar palavras com metáforas visuais. Daí vamos para exercícios práticos. O professor faz vídeo de um minuto e terá feedback individualizado. Nossa ideia é fazer com que eles
repliquem esse conhecimento. As crianças se envolvem e toda essa rede de conhecimento se torna um curto-circuito do bem.”
Toledo afirma que alunos que pareciam ter desistido da escola são os que se transformam. “Eles aprendem a lidar com idiossincrasias, a ouvir e a fazer críticas de forma respeitosa. Há um aprendizado mais no âmbito emocional do que técnico. É o poder do audiovisual.”
De acordo com dados da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, em 2020, na primeira versão do curso 100% online, houve 2.080 inscritos mas, desses, 1.278 não fizeram as aulas. No total, apenas 164 foram aprovados.
O que explica essa baixa adesão é o aumento de oferta de cursos virtuais na pandemia, inclusive oferecidos pelo estado, explica Rodrigo Guergolet, diretor do Centro de Formação da Efape (Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de SP).
Em 2012, quando era professor de artes em Mauá (ABC paulista), Guergolet fez o curso do Minuto Escola e afirma que usou essas ferramentas por dois anos em sala de aula. Ele lembra que hoje em dia, é possível fazer vídeos curtos nas redes sociais.
“Os alunos se empolgavam. Aprender hoje em dia não é apenas fazer anotações no caderno. Com o audiovisual, você traz uma forma lúdica de aprender. Trata-se de um vídeo que você faz e vai querer mostrar para todo mundo e tem um aprendizado na prática”, afirma o diretor.
O Minuto Escola tem um custo anual de R$ 1,5 milhão, bancados via Lei Rouanet. Novas turmas serão abertas no início de julho, com início em agosto, e vão incluir Bahia, Goiás e Maranhão, de acordo com os organizadores.