A presença de organizações criminosas internacionais, se associam a grupos locais em busca de rotas privilegiadas.
A rebelião mais sangrenta da história do Equador, que soma até agora 118 mortos, lançou luz sobre um fenômeno que tem ajudado a desestabilizar o país: a presença de organizações criminosas internacionais, que se associam a grupos locais em busca de rotas privilegiadas de exportação de drogas para outros países.Vizinho do maior produtor de cocaína do mundo, a Colômbia, o Equador se tornou um ponto estratégico para escoamento da droga.
O motim de terça-feira (28) na Penitenciária do Litoral de Guayaquil colocou presos ligados à quadrilha dos Choneros, apoiada pelo cartel mexicano de Sinaloa, em confronto com grupos de outras gangues como os Tiguerones, os Lobos e os Lagartos, apoiados pelo CJNGC (Cartel de Jalisco Nueva Generación), também do México.
A situação nos presídios do Equador tem piorado a passos largos. O sociólogo Fredy Rivera, especialista em segurança pública, chama a atenção para a velocidade do aumento da violência. Em 2014, segundo ele, houve 3 mortos em conflitos no sistema carcerário do país, número que subiu para 11 em 2016, superou os 50 em 2019 e agora passa de 200 neste ano.
O conflito mais violento até aqui tinha ocorrido em fevereiro, quando rebeliões simultâneas mataram 79 pessoas em penitenciárias equatorianas. Meses depois, em julho, outras rebeliões deixaram mais 22 mortos.
Na ocasião, o Snai, órgão responsável pela administração de presídios, escreveu no Twitter: “É grave, estamos em meio a uma guerra entre CARTÉIS INTERNACIONAIS”, em letras maiúsculas, dizendo que o ataque mirava chefes de quadrilhas.
Os cartéis mexicanos se instalaram no Equador por volta do ano 2000, com o aumento da repressão na cadeia de produção da cocaína na Colômbia, diz o coronel Mario Pazmiño, ex-diretor de inteligência do Exército do país.
“Esses grupos são atraídos por fatores como o sistema de segurança deficitário, a corrupção entranhada no país, o baixo controle das fronteiras e a economia muito frágil, dolarizada”, diz.
O Equador não produz cocaína, mas por seu território passam 37,5% de toda a produção da Colômbia, o equivalente a 700 toneladas por ano, segundo Pazmiño. A disputa se dá, então, principalmente pelo controle do armazenamento e das rotas de escoamento da droga.
No julgamento em 2019 de Joaquín Guzmán, o El Chapo, antigo chefe do cartel de Sinaloa, foi detalhada a importância do Equador como ponto de distribuição internacional de cocaína. Foi depois da prisão dele, aliás, que o CJNG se expandiu aceleradamente mundo afora e começou a fazer acordos com outras quadrilhas no Equador, levando à guerra atual.
Em julho deste ano, Fausto Cobo, então diretor do sistema penitenciário e hoje chefe do serviço de inteligência do país, foi às redes sociais acusar a presença do crime no poder.
Além dos mexicanos, chefes do crime colombiano também operam no país, incrementado por dissidências das Farc consolidadas após o acordo de paz de 2016. Há a preocupação também de que quadrilhas brasileiras cheguem ao Equador, já que a inteligência equatoriana tem registro da presença das facções PCC e Comando Vermelho em locais ao sul da Colômbia, próximos da fronteira.
Em meio a essa guerra, as organizações criminosas encontraram nos presídios um bom negócio. “O controle das penitenciárias é defendido ao custo de muito sangue porque é lucrativo. Os presos pagam para os chefes por segurança, droga, armamento. Estima-se que cada pavilhão renda US$ 8.000 por dia”, diz o coronel.
Para o pesquisador, o problema se dá pela ineficiência do Estado, agravada pela decisão do então presidente Lenín Moreno de extinguir e desmembrar o Ministério da Justiça, em 2018.
Nesta sexta (1º), o governo federal destacou 3.600 militares para garantir a segurança do sistema penitenciário no país, anunciou a ministra do Interior, Alexandra Vela.