quinta-feira, 10 outubro 2024

Tosse que não melhorava fez família buscar ritual que matou criança, diz advogado

Os quatro familiares da menina e o suposto guia espiritual estão presos desde a última quarta-feira (20) 

Após a garota apresentar gripe e tosse que persistia mesmo após tratamento médico, a avó da criança, que é da umbanda, sugeriu que a menina passasse por um ritual de cura (Foto: Celly de Paula/Rádio 97 FM)

Uma tosse persistente foi o que fez a mãe, tia e avós maternos de Maria Fernanda de Camargo, 5, procurar um suposto guia espiritual para realizar um ritual que terminou com a menina queimada e morta em Frutal, em Minas Gerais. É o que afirma o advogado José Rodrigo Almeida, que faz a defesa da família da criança.

Maria Fernanda morreu no dia 24 de março após ter 100% do corpo queimado em ritual religioso na cidade do triângulo mineiro.

Os quatro familiares da menina e o suposto guia espiritual estão presos desde a última quarta-feira (20). A reconstituição do crime, que está sendo tratado pela Polícia Civil como homicídio doloso, deve ocorrer nos próximos dias.

Segundo Almeida, a família diz que a morte da criança foi um acidente. Após a garota apresentar gripe e tosse que persistia mesmo após tratamento médico, a avó da criança, que é da umbanda, sugeriu que a menina passasse por um ritual de cura.

“No ano passado, os tios da Maria Fernanda tiveram Covid-19, foram internados e entubados. A família chamou o guia espiritual e após um ritual eles tiveram uma melhora na saúde. Eles acreditam na religião, por isso tiveram essa iniciativa com a criança. Não teve nada de ritual macabro”, diz o advogado de defesa.

Ainda segundo Almeida, o ritual foi realizado na casa dos avós da criança. Durante o trabalho, o suposto guia espiritual pegou um álcool com ervas medicinais que a avó da criança tinha em casa para benzer a menina.

O líquido teria sido colocado nos cabelos, ombros, mãos e pés de Maria Fernanda. Em determinado momento, ao passar uma vela perto do corpo da menina, o fogo teria se alastrado.
“Foi tudo muito rápido. A família não sabe precisar em qual parte do corpo da criança as chamas começaram a surgir. Foram momentos de desespero. Ao verem a menina em chamas, eles tentaram apagar o fogo e também tiveram queimaduras”, diz Almeida.

Os familiares apagaram as chamas usando tapetes e levaram Maria Fernanda ao hospital da cidade. Por medo, eles teriam inventado outra versão sobre o ocorrido e relataram que a menina havia se queimado em um acidente doméstico com uma churrasqueira durante um churrasco na casa da família.

“A gente sabe que há preconceito contra a religião e no momento de desespero eles erraram ao não contarem a verdade. A história da churrasqueira surgiu porque uma prima da criança sofreu um acidente dessa maneira há alguns anos e eles recordaram o fato”, afirma o advogado.

Maria Fernanda morreu na manhã do dia seguinte, algumas horas após ser transferida para um Hospital de São José do Rio Preto, cidade a 112 km.

“Ninguém queria matar a criança, foi um acidente. A família está sofrendo com a perda, foi um deslize, mas nunca houve intenção”, afirma o advogado.

Um pedido de prisão domiciliar para o avô da menina, de 71 anos, será protocolado nesta quarta (27). O advogado diz que o idoso tem problemas de saúde como diabetes e hipertensão.

A mãe, a avó e a tia da menina estão presas em uma cadeia feminina de Uberlândia. O suposto guia religioso está em uma cadeia da região.

Socorro A enfermeira Marcela Marques de Souza foi uma das primeiras profissionais a atender Maria Fernanda no hospital Frei Gabriel, em Frutal.

A profissional relata que a criança chegou à emergência por volta das 21h 30 com queimaduras por todo o corpo, principalmente nas costas, braços e pernas. A menina estaria consciente.

“Fiquei conversando com ela, pedi para que ela tivesse paciência, que a gente ia cuidar dela. Ela não se queixava de dor, mas se queixava de frio porque banhamos ela com soro devido às queimaduras”, diz a enfermeira. “Eu me lembro de detalhes porque a semelhança dela com a minha filha de seis anos era muito grande e isso me marcou muito.”

Souza foi uma das profissionais responsáveis por acompanhar a criança até um hospital particular de São José do Rio Preto. Para a transferência, a menina precisou ser entubada e sedada. A versão apresentada aos profissionais de saúde é que a menina havia sofrido um acidente doméstico e se queimado em uma churrasqueira.

“É muito difícil ver uma criança nessa situação e, quando veio a notícia sobre a verdadeira causa das queimaduras, foi outro choque”, disse.

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