segunda-feira, 13 maio 2024

Juíza diz que réu ‘não possui estereótipo de bandido’ por pele clara

Ao condenar um réu acusado de latrocínio (matar para roubar) a 30 anos de reclusão, em 2016, a juíza Lissandra Reis Ceccon, da 5ª Vara Criminal de Campinas, escreveu na sentença: “Vale anotar que o réu não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido”.

Embora o processo esteja sob “segredo de Justiça”, a sentença passou a circular anteontem entre advogados da região e nas redes sociais, causando polêmica pela frase destacada. Tanto que na próxima semana grupos de advogados e de movimentos negros em Campinas prometem entrar com uma representação no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), por considerar racismo no caso.

A juíza não foi localizada ontem para comentar o assunto. Em nota, o TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo informou que “trata-se de uma ação judicial na qual há a decisão de uma magistrada”. “Não cabe ao Tribunal de Justiça de São Paulo se posicionar em relação aos fundamentos utilizados na decisão, quaisquer que sejam eles”, informou o TJ.

O advogado criminalista de Campinas, Waldiner Alves da Silva, especialista em Tribunal do Júri há mais de 35 anos, atuando em várias cidades da RMC (Região Metropolitana de Campinas), opinou ontem à reportagem ver com preocupação o uso dos termos da frase pela juíza na fundamentação de sua sentença.

Para ele, cuidados com termos expressados são um dever de juramento de quem ocupa o cargo. Mas o especialista entende também que não se deve castrar a liberdade de expressão por eventuais tendências ideológicas, em quaisquer tipos de fundamentação de texto e ou sentença.

O condenado, que não teria o tal “estereótipo de bandido”, como proferiu a juíza, é Klayner Renan Sousa Masferrer, preso em Paulínia, em setembro de 2015, então com 24 anos. Ele foi acusado de matar, em fevereiro de 2013, em Campinas, Romário Freitas Borges, então com 76 anos, que era dono de um hotel na cidade de Bebedouro (SP). O crime foi no Jardim Londres, a poucos metros de onde seria instalada em setembro daquele mesmo ano a 2ª Delegacia Seccional de Campinas.

Acompanhado pela família, Romário ia entrar numa imobiliária em busca de informações sobre o aluguel de imóvel para o neto. Ele tinha encostado a caminhonete que dirigia e a família desembarcou. Quando viu que um ladrão levava o veículo, a vítima perseguiu o carro, que ainda estava em baixa velocidade, chegou entrar em luta corporal com o assaltante, mas acabou baleado e morto. O neto dele também foi atingido e ficou internado por um dia.

Quando o assaltante foi preso, em 2015, familiares da vítima tão tiveram dúvidas em reconhecer o criminoso, que desde setembro de 2016 está preso na Penitenciária Casa Branca (SP). Em sua sentença, em boa parte baseada no reconhecimento que a família fez do acusado, a juíza se valeu das características físicas do réu para dizer que ele “não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido”.

VÍUVA FALA

A reportagem conseguiu contato ontem com a família da vítima. A viúva do comerciante, Maria Aparecida Borges, disse desconhecer a polêmica em relação à frase que a juíza assentou na sentença. Ela disse apenas que espera que o acusado pague toda sua pena. “Só quero dizer que ele assassinou a melhor pessoa do mundo e está fazendo uma esposa, filhos e neto sofrerem até hoje”.

Receba as notícias do Todo Dia no seu e-mail
Captcha obrigatório

Veja Também

Veja Também