quarta-feira, 16 julho 2025

Padre Marco Biaggi fala da sua da experiência no exterior e leitura de vida

Sacerdote barbarense destaca a sua trajetória e ascensão para cargos de gestão; confira a entrevista completa 

Padre Marco Biaggi | Sacerdote barbarense, com formação teológica, filosófica e pedagógica, ele divide sua experiência de vida (Foto: Divulgação)

Padre Marco Biaggi é barbarense. Ordenou-se sacerdote em 10 de dezembro de 1983, em Santa Bárbara dOeste. Entre os anos de 1988 a 1998 foi diretor nas obras salesianas de Cruzeiro, Pindamonhangaba e Lorena, para depois ser nomeado ecônomo na Casa inspetorial e ecônomo da Inspetoria Salesiana de São Paulo, de 1998 a 2004.

Em 2005 foi eleito inspetor da Inspetoria Salesiana de São Paulo. Concluído o mandato, foi nomeado para trabalhar em Americana, onde foi ao mesmo tempo ecônomo e diretor do Oratório. Em outubro 2013 assumiu os salesianos de Piracicaba. Em 2014 foi nomeado superior da Visitadoria Maria Auxiliadora, de Moçambique. Nessa entrevista o religioso divide um pouco dessa experiência e de sua leitura de vida.

TODODIA: Padre, você possui uma formação teológica, filosófica e pedagógica. A sua experiência de vida, te levou para os cargos de gestão. Como foi para o senhor, organizar essas ideias e executar esses trabalhos?
Pe. Marco: Primeiro eu gostaria dizer que ser padre, religioso, pra mim é um prazer tão grande e digo que é uma oportunidade única. Só quem é religioso, sabe o que é isso. Só quem é religioso entende o que eu esteja falando, porque eu exerço uma função de gestão dentro da congregação, mas sem concorrer a nenhum concurso público, nem particular, nada. À medida que a gente vai convivendo e os irmãos vão conhecendo, eles vão nos indicando para determinadas tarefas, e os superiores acatam as indicações dos irmãos e eles nos nomeiam para a responsabilidade. Pra mim, poder partilhar um pouquinho disso, é muito interessante. Talvez fuja do mundo empresarial, onde as pessoas tenham que disputar com muitos concursos, com muitas coisas. Ali no nosso talvez seja um reconhecimento de quem tem algumas habilidades que sejam reforçadas. Isso também me dá um pouco de satisfação, de realização, porque eu não tenho que me preocupar com isso. Parece que as coisas surgem, vem, para todos nós, essas oportunidades aparecem no momento certo.

Você teve a oportunidade de gerir equipes na América e também na África, com uma realidade completamente diferente. Como foi essa experiência, padre?
Quando eu pensava em ser padre, eu nunca imaginava que um dia eu iria desempenhar certas funções que hoje desempenho, ou que desempenhei nos últimos anos. Mas como a evangelização tem uma lógica dentro da sociedade, dentro da igreja, ela tem uma organização. E para funcionar como organização, ela tem uma estrutura. E daí vai à função do padre que trabalha na gestão, na administração, dos bens da congregação religiosa, da igreja, no Brasil, fora do Brasil. E essa oportunidade que você alegou aí, eu também tive, graças a Deus, depois de ter feito a experiência de ser diretor de vários colégios, várias comunidades aqui no estado de São Paulo, ter sido também diretor administrativo, cargo que eu exerço hoje e que você colocou como ecônomo inspetorial, pra quem não conhece a palavra é o diretor financeiro-administrativo de uma empresa. Nós temos aí 40 CNPJs que a gente administra. Temos 11 escolas de ensino básico, temos o Centro Universitário Unisal, temos várias casas de formação, temos uma porção de obras sociais, nas quais atendemos diariamente crianças que estão conosco nas nossas obras para se preparem para o mundo do trabalho. Tudo o que a gente procura fazer é tendo em vista a evangelização. Depois de ter feito essa experiência de ter sido diretor administrativo, diretor-presidente que é o nome do provincial dentro da vida religiosa, ou do inspetor, como a gente chama dentro dos salesianos, que é o diretor presidente dos salesianos de São Paulo, da presença salesiana em São Paulo, aí os superiores de Roma me confiaram um trabalho em Moçambique, um lugar em que eu não conhecia, eu não conhecia as pessoas, uma sociedade que tem a sua organização própria, e que no começo me deixou um tanto quanto inseguro, mas que depois eu fui conhecendo, eu fui percebendo que a grande proximidade da estrutura de Moçambique política, social, educacional tem em relação ao Brasil. O Brasil tem muita influência em Moçambique, como também de Portugal.

O que a experiência de Moçambique te ensinou do ponto de vista humano e também profissional?
Do ponto de vista humano é difícil descrever em poucas palavras, a riqueza que a gente recebe ao fazer uma experiência dessa. No começo eu resisti um pouco de ir pra Moçambique. Eu me lembro que eu me aconselhei com os meus irmãos, com a minha mãe que estava doente, estava viva, ela dizia “quando você voltar eu não estarei mais viva”. E aconteceu isso mesmo. Então, esse medo de ir pra Moçambique não era de ir para o desconhecido, porque eu tinha uma confiança muito grande nos meus superiores lá de Roma quando me convidaram. Eles me conheciam, já tinham visto o meu histórico, eles estavam me colocando lá porque sabiam que essa experiência poderia ajudar e favorecer esse mundo desconhecido. Eu tive grande dificuldade de deixar o que eu estava fazendo naquele momento. Eu era diretor do colégio Dom Bosco de Piracicaba, e me lembro que tinha pego com todas as minhas forças para tentar fazer o melhor. Eu estava voltando para o mundo escolar depois de alguns anos de gestão da inspetoria. Então, eu estava com todo o coração e com toda mente nesse projeto. De repente ele foi de janeiro e em junho veio esse convite. Aí me puxou os tapetes, eu fiquei sem pé, sem chão, aí me aconselhei com os irmãos, e todos eles me aconselharam a ir. Minha mãe me disse: “você se fez padre pra isso, vai com Deus, vai com as minhas bênçãos”. Aí eu fui feliz!

Você coloca aqui a relação do medo do desconhecido, porém, da mesma forma, pautado na confiança do outro, no caso seus superiores. Isso, no seu entendimento é um elemento fundamental para a realização de qualquer tipo de trabalho?
Eu acho que a gente também precisa ter a coragem de arriscar. Se não a gente não caminha. Se a gente não sair do nosso conforto, ou não sair da nossa rotina, nós não descobrimos o novo. Esse fato de sair do conforto para o novo, isso nos enriquece muito. Quando eu fiz a opção de 11, 12 anos de ir para o seminário, eu não imaginava esse tipo de opção, de vida. Quando depois, me preparei e fiz o voto de pobreza, de obediência e castidade. A promessa que a gente fez a Deus de ser pobre. Com o voto de obediência, eu me coloquei nas mãos de Deus, e obedecer aos superiores, vem o que vier, eu acredito que seja a vontade de Deus. E se é a vontade de Deus eu não tenho que temer, Ele está comigo. Se Deus é por nós quem será contra nós? E depois a castidade. Eu renunciei a tudo isso por conta da missão que eu abracei. Essa missão não é somente espiritual, ela também é material.

Vamos falar sobre o Sistema Preventivo de Dom Bosco. Como esse sistema criado no século XIX consegue transcender aos limites temporais e também se adapta aos mais diferentes pontos geográficos. Como o padre explica isso?
Quando um sistema é pautado em valores, eles são perenes, ele nunca mais vai ser ultrapassado. Quando você fala da razão, você precisa ter argumentos. Quando você esclarece para o educando o erro que ele cometeu, ele até deseja ser corrigido para não repetir o mesmo erro. A religião, a gente fala da transcendência. Nós não podemos pensar que a nossa vida é só aqui, que termina. Nós temos que pensar no transcendente, algo que vai além da nossa realidade, da nossa vida. Os valores da transcendência são perenes. E a “amorevolezza” (palavra do italiano que não possui uma tradução precisa para o português, a tradução mais próxima é o carinho)? Falar do amor, do carinho. Onde não existe amor, existe violência, existe ódio. Esse sistema está presente, como nós salesianos estamos presentes em 135 países do mundo, nos cinco continentes. Dom Bosco transformou uma convivência familiar em um sistema educativo, que não vai acabar nunca mais.

Guilherme do Val Prado, um teórico da Educação, diz que “a nossa consciência de mundo é proporcional às relações que nós estabelecemos com esse mesmo mundo”. Nesse sentido, você acredita que vivenciar experiências, permitindo que a juventude erre é também um fator que vai construir esse processo educacional?
Eu penso que no confronto, como diz a própria psicologia, no confronto com o outro, eu tomo consciência do meu eu. Eu vou me conhecendo na medida em que eu vou convivendo, confrontando ideias, práticas. Eu cresço e faço o outro crescer, nessa minha convivência. Então, eu acredito que nessas relações interpessoais, interempresarias, ajuda tanto a gente a crescer. Então, eu acredito que é nessa convivência, na comunidade, que a gente consegue se firmar e fazer o processo acontecer.

Padre, no seu ponto de vista qual o futuro da Educação. Gostaria que levasse em consideração o cenário da pandemia. Como, enfim, você vê a educação nos próximos anos?

Com grande esperança! Nunca a Educação esteve, assim, confortável. Nunca houve um cenário, totalmente, favorável. Sempre apareceram muitas dificuldades. Hoje vendo o novo ensino médio, quando eu vi a proposta do novo ensino médio, eu comecei a ter medo e pensei: “eu não estou mais preparado para esse mundo da Educação”, mas depois eu fui participando de várias conversas, vários debates, entre os pedagogos, eu acredito que esse ensino médio vai trazer uma vibração melhor para a nossa juventude, para os desafios da nossa sociedade, porque vai trabalhar com um projeto de vida. Esses dias alguém dizia, “eu não sei quais são as profissões que essa juventude vai estar exercendo daqui 10, 12 anos, porque o mundo está mudando tanto…” E você acha que a Educação vai ficar desesperada com isso? Claro que não! A Educação ela é criativa para encontrar as melhores respostas para os maiores desafios. Então eu vejo com muita esperança. Jamais viveremos sem Educação. E cada vez teremos que fazer pressão para que os nossos profissionais da Educação sejam mais valorizados, mais reconhecidos. As sociedades mais desenvolvidas dão muito mais força financeira também para os profissionais da Educação poderem educar bem a sua comunidade. Se você não tiver um clima de Educação pedagógica, se você não tem um ambiente que é educativo, Dom Bosco dizia muito isso, você não educa! Sempre seremos desafiados. A Educação sempre tem respostas surpreendentes para cada desafio que ela vai encontrando. 

Evangelização | Marco Biaggi foi ordenado sacerdote em 1983, em Santa Bárbara, e já viveu missões no exterior (Foto: Divulgação)

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