quinta-feira, 2 maio 2024

O trabalho dos dedos de dois gênios

Designer industrial e professor de desenho, Ubiratan Bizarro Costa, morador de Sumaré, virou notícia nacional no começo do ano, quando fabricou um par de luvas biônicas que devolveram os movimentos aos dedos do maestro João Carlos Martins, ícone da música clássica.  

O cidadão, paulistano de 55 anos, se estabeleceu na RMC (Região Metropolitana de Campinas) há 35 anos, e nunca mais saiu daqui.  

Ele sempre desenvolveu no próprio escritório protótipos para a indústria automotiva. Há cinco anos, o Bira – como é conhecido – começou a bolar acessórios que pudessem ajudar pessoas com deficiência. E agora conseguiu um cliente pra lá de especial.  

João Carlos Martins era pianista, mas ele se tornou maestro exatamente por conta dos efeitos de uma distonia cerebral. Antes das luvas, ele tinha dificuldades para abrir as mãos e seguir brilhando ao piano.  

Ubiratan conheceu o maestro pessoalmente em Sumaré mesmo em julho do ano passado, quando Martins fazia a regência de sua orquestra na praça central, em evento comemorativo ao aniversário da cidade. Bira foi ao camarim, se apresentou (como centenas de fãs fazem sempre) e ofereceu sua “invenção” como um presente ao maestro.  

O protótipo foi feito com base em fotos e vídeos das mãos do pianista, projetadas em 3D. Martins levou as luvas para casa, adorou, e chamou o Bira para a produção das luvas definitivas.  

Elas têm hastes de aço sobre os dedos, que funcionam como molas. Sistema simples: o maestro tecla o piano, e as molas trazem os dedos de volta à posição anterior. Um movimento que o maestro não conseguia mais fazer. Pronto. Bastou para trazer de volta à ativa o pianista genial.  

Martins tinha até se despedido do piano, e achava que seria para sempre. Hoje ele vai se adaptando à engrenagem e já faz planos de tocar em concertos. 

CONTATO 

As pessoas interessadas em trocar mensagens e saber detalhes sobre os protótipos podem escrever para contato@bizarrodesign.com.br, que é o endereço eletrônico do escritório do professor. A oficina funciona anexa à sede da Traço Bizarro, escola de desenho que Bira fundou na região central de Sumaré. 

DISTONIA E UMA SÉRIE DE ACIDENTES   

O maestro foi diagnosticado com distonia cerebral ainda em 1958. Ele passou por dezenas de cirurgias ao longo do tempo, motivadas também por uma série de acidentes, até que perdeu completamente o movimento da mão direita, o que o fez virar maestro.  

“Desde que eu fui diagnosticado com distonia cerebral, passei a dormir pelo menos 15 minutos antes de cada espetáculo. Acordo como se estivesse começando o dia e entro com tudo no palco”, conta o maestro.  

Em 2003, criou a Orquestra Bachiana Filarmônica, para continuar sua carreira. Ela é composta por 65 músicos. O repertório é apresentado em diversos palcos. 

PIANISTA NÃO TIRA AS LUVAS NEM PARA DORMIR  

João Carlos Martins havia se despedido do piano em janeiro do ano passado, tocando apenas com os polegares, em uma apresentação no programa “Fantástico”, da Globo, dizendo que, daquela vez, seria para sempre. Foi assistindo a esse programa que Bira se motivou a buscar uma solução.  

Até que ganhou as luvas. “Eu não sei te explicar, mas essa engrenagem fez com que, ao dedilhar o piano, meus dedos fossem e voltassem à posição normal. Antes, minhas mãos ficavam sempre fechadas”, diz o pianista.  

DE VOLTA | João Carlos Martins usa as luvas feitas por Bira para tocar piano

João Carlos Martins não tira mais as luvas nem para dormir. É para se acostumar a ficar com as mãos novamente abertas. “As luvas vão amoldar as mãos ao cérebro com o tempo. Em breve, vou tocar de novo o concerto de Bach em ré menor”, anima-se o velho novo pianista.  

Em 2018, na última das 24 cirurgias que já enfrentou, o médico Rames Mattar eliminou as dores que Martins sentia desde que caiu sobre uma pedra, jogando bola no Central Park, em Nova York, em 1965, o primeiro de uma série de acidentes em sua vida.  

Sem dores, mas também sem ter mais movimentos dos dedos, João Carlos Martins, ícone da música clássica mundial, já parecia conformado quando apareceu o artesão Bira.  

“É um recomeço. Na primeira vez em que consegui tocar com todas as teclas, fiquei com lágrimas nos olhos. Há 21 anos, eu não tocava com a mão direita. Sentir de novo todo o teclado do piano, ouvir o som…”  

Ele gosta de repetir uma frase que ouviu de seu pai, José da Silva Martins, que era representante comercial: “O impossível só existe no dicionário dos tolos”. 

PRESENTE QUE TROUXE FAMA AO INVENTOR   

Presentear o maestro João Carlos Martins foi uma ideia que se mostrou sensacional para Bira. A repercussão do caso transformou o inventor sumareense em uma celebridade.  

O cidadão começou a aparecer em fotos nas redes sociais e ao lado de gente famosa da TV, como a apresentadora Fátima Bernardes, da Rede Globo.  

E a fama também foi exportada. Os documentários sobre a invenção tomam conta do YouTube. O designer já tem até convite para ser a estrela de um vídeo na Ásia. Ele já está de malas prontas.  

A fama assustou. A mulher Sylvia e as filhas arquitetas Natália e Camila não estavam acostumadas com tanto assédio. Mas elas já se acostumaram. Viram que a causa é importante.  

Mas não dá pra dizer que o designer está realizado com a fama. Em entrevista ao TodoDia, ele afirmou que faz projetos de protótipos no escritório. “Precisa haver produção industrial dos acessórios, em série, para que mais gente possa ser ajudada”, disse.  

Ele dá exemplos de outros inventos que já deram certo, como o “esqueleto” que ajuda um paraplégico a ficar em pé, ou a scooter usada como meio de transporte para quem não pode andar. A tecnologia, conclui, pode garantir mais qualidade de vida às pessoas com qualquer deficiência.  

 
Com Folhapress

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