sábado, 23 novembro 2024

O que uma medalha pode fazer?

A natação do Brasil mudou de patamar há dez anos. Após a geração de Gustavo Borges e Fernando Scherer colecionar pratas e bronzes em Olimpíadas e Mundiais, César Cielo Filho, então com 21 anos, colocou o país no clube dos campeões olímpicos.

Em 16 de agosto de 2008, Cielo superou os favoritos franceses Amaury Leveaux e Alain Bernard e conquistou a medalha de ouro nos 50 metros livre. O tempo de 21s30 também lhe deu o recorde olímpico.

A medalha em Pequim abriu um caminho de conquistas. Além de uma terceira medalha olímpica (bronze em Londres-2012 nos 50 m livre), foram seis ouros em Mundiais e os recordes do mundo dos 50 e 100 metros livre.

Apesar de ter resultado em mais dinheiro para a natação brasileira, o atleta não considera que a conquista tenha sido aproveitada nos anos seguintes. “Não foi um dinheiro bem capitalizado”, diz.

Cielo rejeita o rótulo de principal nome da natação do país. Prefere ser visto como alguém que pode servir de inspiração. “Já se sabe que tem um cara que conseguiu fazer, e outros também podem”, afirma.

De olho em uma vaga para o Mundial de piscina curta de Hangzhou (CHN), em dezembro, ele não faz planos em longo prazo. No fim ano, deverá decidir se irá prolongar sua trajetória nas piscinas.

PERGUNTA – Dez anos depois da conquista da medalha de ouro, o que o feito representa para você?CIELO – Costumo dizer que estava brincando de atravessar a piscina o mais rápido possível e consegui fazer isso numa Olimpíada. Hoje, vejo que atletas olham para a seleção com a possibilidade de chegar lá também. Essa parte de ser um pouco mais agressivo, de não respeitar tanto assim a história e reputação dos outros países, acho que quebramos isso. Se isso foi por conta daquele momento em Pequim, fico muito feliz com meu feito.

Quais suas recordações do dia da medalha? Qual era o seu nível de confiança naquele dia?Lembro que acordei e na hora que desliguei o alarme já pensei que tinha a final dos 50 livre. Instantaneamente. Nem deu para dar aquela espreguiçada. Fui tomar café, mas estava meio arisco com as coisas. Fiquei com aquela sensação de estômago gelado por umas duas horas.
Não quis conversa com ninguém, estava nervoso mas ao mesmo tempo consciente de tudo o que precisaria fazer na prova, seguindo minhas rotinas de aquecimento, horário de colocar o traje, etc. Foi uma manhã silenciosa. Eu nunca fiquei ansioso daquele jeito.

Qual o efeito do bronze nos 100 metros livre para a conquista do ouro nos 50 metros?Se não tivesse vindo aquele bronze, acho que o ouro não viria. Até aquela final, sentia que estava um degrau abaixo dos caras que estavam disputando a prova. Após a prova, vi que estava junto deles e que tinha condições de ganhar nos 50 metros. O bronze me deixou numa situação em que me via como possível vencedor. Foi ali que eu percebi que poderia nadar no mesmo nível daqueles caras.

Qual foi a importância do Brett Hawke [técnico australiano] na sua conquista?O legal do Brett é que ele tinha acabado de começar a carreira de treinador dele e havia sido finalista olímpico em 2004 nos 50 m livre. Quando a gente conversava, era de nadador para nadador, não um diálogo técnico-nadador. Ele passava coisas que só quem enfrentou esse processo de uma final olímpica pode falar.

É verdade que ele usou como estratégia de motivação antes da final dos 100 m insistir para que você levasse na mochila o agasalho de premiação, que são usados apenas em caso de pódio?
Sim, ele dizia “leva, você não sabe o que pode acontecer”. Aquela conversa já estava me incomodando e eu respondi: “leva você. Se for levar este negócio, vou me irritar”. Tenho consciência de que foi jeito dele tentar me motivar naquela hora.

A medalha de ouro trouxe algo de positivo para a natação brasileira?A medalha e a conquista renderam muito mais atenção da mídia para nós, mais dinheiro também, porém não foi um dinheiro bem capitalizado. A gente vê isso pelos números de praticantes nas competições de natação, que foi diminuindo ano a ano. Para o alto rendimento, conseguimos, justamente por ter mais dinheiro na confederação, passar mais tempo treinando fora, disputar algumas competições que hoje ficou mais difícil de conseguir fazer. Se a natação continuar do jeito que está, teremos cada vez menos nadadores na piscina, menos clubes investindo na natação.

Como busca motivação para continuar nadando?Sinto que na piscina ainda ajudo muito. Desafiar os meninos no treino, passar uma dica, uma correção. São coisas que eu gosto de fazer, com o Gabriel Santos, o Pedro Spajari e o Marcelo Chierighini, a gente fala e eles prestam atenção. Esse lado de mentor é diferente, acho bem gratificante.

Você planeja o seu futuro até quando na piscina?Vou até dezembro e aí repenso. Depois do Mundial do ano passado, quando levamos a medalha de prata no 4 x 100 m livre, decidi ir mais um pouco, pois estou me divertindo, meu corpo ainda está aceitando o treinamento, está evoluindo. Tem o Mundial [de piscina curta] agora e decidi esperar.

Qual foi o pior momento da sua carreira, o caso de doping em 2011 ou ficar fora da Rio-2016?O caso de 2011 vejo como algo que aconteceu comigo, mas eu não tive culpa. Não tive influência direta. A reação dos meus adversários, duvidando de mim, foi algo que me chateou. Foi muito difícil ter que lidar com aquilo, mas os outros anos que tive na sequência, e era algo que eu queria muito, mostraram que de fato aquilo não foi algo que eu fiz, foi um acidente, não tive culpa. Em relação a 2016, sei dentro de mim o quanto eu não treinei. Não estava vindo de boas temporadas.

Receba as notícias do Todo Dia no seu e-mail
Captcha obrigatório

Veja Também

Veja Também