domingo, 5 maio 2024
Infância e Empatia

Infância e Empatia

Por André Luís Pereira, teólogo e psicanalista
Por
André Luís Pereira
FOTO: ACERVO

“Quando seus pais o viram, ficaram perplexos. Sua mãe lhe disse: “Filho, por que você nos fez isto? Seu pai e eu estávamos aflitos, à sua procura”. Ele perguntou: “Por que vocês estavam me procurando? Não sabiam que eu devia estar na casa de meu Pai?” Mas eles não compreenderam o que lhes dizia. Então foi com eles para Nazaré, e era-lhes obediente. Sua mãe, porém, guardava todas essas coisas em seu coração. Jesus ia crescendo em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens.” (Lucas, 2:48-52)

O texto acima é uma narrativa acerca do diálogo de Maria e José com seu filho Jesus.

Os pais de Jesus estavam anos distantes da pedagogia e psicologia positivas, porém, me parece, que eles tinham algo que compõe essas disciplinas: o respeito pela criança.

Numa das viagens feita pelo clã de Jesus até Jerusalém, o menino não retornou com seus pais, ficou três dias em Jerusalém, no templo, discursando com os líderes religiosos. Não sei como, mas seus pais só deram falta dele depois de três dias da jornada de volta para casa. Imagino que eles consideraram que Jesus pudesse estar com algum parente, quem sabe com Isabel e Zacarias, pais de João, o Batista, visto que ele e Jesus tinham idades muito próximas.

Porém, o que me chama a atenção nessa narrativa é a postura que Maria toma diante daquela situação: ao encontrar Jesus no templo, ao invés de brigar com ele ou discipliná-lo com a vara, ela expõe aquilo que ela estava sentindo, a saber: “Filho, por que você nos fez isto? Seu pai e eu estávamos aflitos…”.

Alguns pais, certamente, numa circunstância parecida, teriam dado um bronca, quem sabe ofendido e, talvez, até agredido o menino com algumas palmadas, porém, Maria expõe sentimentos: a aflição por ter esquecido do seu filho, imaginando que ele pudesse estar em apuros ou algo ainda pior.

Fico pensando sobre o quanto é difícil falar sobre nossos sentimentos. Nossa criança interior já tivera seus sentimentos tão atropelados que, em determinadas situações nas quais nos sentimos fragilizados, é automático a agressividade. Temos dificuldade de dizer: “tive medo de perder você”; ou “não faça mais isso, você é muito importante pra mim”; ou “não quero que isso aconteça novamente, porque eu te amo muito e quero o seu bem, sempre”.

No crescimento da minha filha e, portanto, nas fases pelas quais ela vem passando, tenho aprendido muito com a minha esposa. Ela me ensina sobre o respeito que toda criança deve receber. É necessário respeitá-la, em primeiro lugar, como pessoa que é; respeitar suas vontades que, neste momento, embora muito limitadas, já estão se desenvolvendo e sendo expostas; respeitar suas pequenas decisões, muito embora possamos fazer as correções e ajustes.

Percebo que muitos dos meus erros com minha filha se dá pelo choque entre a minha criança interior e a minha menininha. Embora querendo evitar, muitas vezes me pego reproduzindo aquilo que experimentei ao longo da vida. Aí, com a ajuda da minha esposa, vou me ressignificando, trazendo à consciência de que minha filha não é o meu eu infantil, e que eu também já não o sou mais. Ambos podemos nos acolher, em amor e respeito.

A paterno-maternidade carece de empatia. E quando uso esse termo, não o faço na perspectiva de um se colocar no lugar do outro, até porque creio que isso seja impossível, mas o faço numa outra perspectiva, ou seja, de um se colocar ao lado do outro para que, então, de mãos dadas, possam trilhar por este caminho desconhecido das aprendizagens – aprender a ser pai; aprender sobre si mesmo e a vida; aprender a ser família. Esse percurso, embora pareça simples, não é fácil. Nem mesmo uma borboleta se torna em algo exuberante se não fizer muito esforço. Rubem Alves afirmou que “ostra feliz não produz pérola”, e isso é verdade.

Educar um filho, naquilo que tenho aprendido, é mais do que oferecer-lhe educação, saúde, religião, lazer, vestimenta, alimentação, etc; educar é, também, e especialmente, oferecer afeto. A mãe de Jesus parecia saber muito bem sobre isso.

Penso que o menino Jesus aprendeu a amar a Deus porque reconheceu o amor em seus pais. E, considero eu, que ele pôde “crescer em estatura, graça e conhecimento diante de Deus e dos homens” porque recebeu o afeto, a empatia e o respeito que lhes eram devido desde a mais tenra infância.

É preciso ser empático e respeitoso com nossas crianças: a interior e àquela que Jesus nos permitiu gerar – seja no ventre ou no coração.

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