sábado, 4 maio 2024

Um processo para a liberdade

Por André Luís Pereira, teólogo e psicanalista
Por
André Luís Pereira
Foto: Divulgação

Esses dias, num dos atendimentos, alguém me disse: “faço de tudo pra agradar o outro, mas ele nunca reconhece o meu esforço, eu nunca me senti amada(o) por ele”.

Quantos de nós já vivenciamos este tipo de situação: nos esforçamos para agradar alguém mas, no final das contas, não recebemos nenhum reconhecimento, às vezes, ainda somos acusados de muitas outras faltas e, então, nos sentimos frustrados.

Essa é uma situação muito comum nas relações humanas. Por conta da falta ou excesso do olhar materno/paterno e da nossa própria percepção do amor e da relação com o outro, desenvolvemos uma falta na qual criamos a ilusão de que só a supriremos quando formos amados pelos outros exatamente da forma como idealizamos. Acerca disso Freud afirma que passamos a vida tentando preencher nossas faltas, porém, segundo ele, isso não é possível, por isso nos angustiamos tanto com essa busca pelo preenchimento e completude que nunca se dão completa e satisfatoriamente.

Será que o problema é o outro que não nos reconhece, ou somos nós que estamos em sofrimento por conta da condição de não aceitação por parte dele? Como você sente isso?

No setting analítico, assim como acontece no descascamento da cebola, vamos trabalhando partes da nossa estrutura psíquica e, na medida do possível, vamos pensando sobre como internalizamos a crença de que, para sermos amados, aceitos e reconhecidos, temos de nos sujeitar ao outro.

Talvez você se lembre de uma cena muito própria da infância, quando nossos pais e/ou responsáveis apenas nos elogiavam quando fazíamos aquilo que os agradavam, e demonstravam decepção conosco quando fazíamos aquilo que eles não aprovavam. O sentimento poderoso, proveniente da aprovação do outro , pode em algumas situações, tornar-se tão essencial que, em busca de prová-lo com frequência, praticamente escravizamos duas instâncias: 1) a nós mesmos, pois passamos a viver em função do agradamento do outro; 2) as nossas vontades, prazeres e desejos, que lançamos num calabouço e jogamos a chave fora

A análise é o processo no qual, com a ajuda do psicanalista, vamos construindo a reorganização da nossa mente e emoções, vasculhando e, assim, com o tempo, reconhecendo parte dos conteúdos idealizados e recalcados, até que encontremos a chave outrora perdida ou, então , construamos a possibilidade de lidarmos com a falta de algumas coisas.

Ninguém deve viver em prisão emocional, experimentando relações abusivas porque acha que não consegue satisfazer o outro; ninguém precisa viver frustrações diárias consigo mesmo e se sentir incapaz, porque o outro não o reconhece e nem lhe demonstra afeto.

Com Jesus, o mestre dos mestres, aprendemos que é saudável “amar ao próximo como a nós mesmos”, por isso é imprescindível resgatarmos o amor próprio, pois, sem ele, sempre seremos escravos emocionais dos outros e de uma psiquê adoecida.

A história da humanidade nos mostra, em diversos momentos, que a liberdade é uma conquista a ser construída, com lutas, estratégias, paciência, dedicação, resiliência, ressignificações; penso que, da mesma forma, se dá a nossa liberdade na vida e nas relações, nunca sem luta contra nós mesmos e os sistemas opressores internos e externos; nunca sem estratégias construídas com um parceiro terapêutico; nunca sem paciência, dedicação e resiliência da nossa parte; sempre com convocações às ressignificações.

Num primeiro momento tudo pode parecer impossível, porém, afirmo que não é. Posso dizer que, um bom espaço terapêutico poderá possibilitar, os mergulhos em si mesmo, respeitando a profundidade na qual você decidir explorar.

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