sexta-feira, 26 abril 2024

América Latina mostra tendência de moderação

 Diplomata avalia que há uma espécie de “Brasil” permanente no contexto

GEOPOLÍTICA| Diego Ramiro Guelar, diplomata e ex-embaixador da Argentina no País

Em termos de diplomacia, há uma espécie de Brasil permanente, que pouco se altera no caso da mudança de um presidente no contexto atual, diz Diego Guelar, 72, ex-embaixador da Argentina no país –ele serviu também nos Estados Unidos e na China.

Um dos mais reconhecidos analistas das relações internacionais argentinos, Guelar ajudou a formular a política exterior do ex-presidente Mauricio Macri. “Não creio que exista uma guinada à esquerda na América Latina, mas sim que presidentes recém-eleitos têm sido obrigados a buscar a moderação.”

Guelar falou à reportagem em Buenos Aires.

Como o sr. vê as eleições no Brasil?

DIEGO GUELAR – Há um Brasil permanente, que não se altera caso ganhe Bolsonaro (PL) ou Lula (PT). Se pensarmos no contexto internacional –com o conflito entre Rússia e Ucrânia, a mudança de perfil da China– e na “realpolitik”, não faz diferença, em termos geopolíticos, quem vença.

As retóricas de ambos são muito diferentes, claro, mas elas não são elemento central na política mundial hoje –são folclore. Tomemos o caso de [Vladimir] Putin: a retórica dele não é nova e é terrível; o modo autoritário, como se apresenta em termos de imagem e trata opositores. Mas tudo isso foi absorvido e de certo modo aceito pela comunidade internacional. Até o momento em que decidiu invadir a Ucrânia. Aí a coisa muda, não se trata mais de folclore, mas uma decisão real que tem impacto no planeta.

Há folclores que podem ser muito antipáticos para muitos, como é o de Cristina Kirchner na Argentina ou o de Bolsonaro. Mas enquanto não se transformam em decisões radicais, não alteram a geopolítica. A Itália terá uma líder que sobressai pelo folclore, assusta a muitos; mas se amanhã ela sair numa foto com [o alemão Olaf] Scholz e [o francês Emmanuel] Macron, o que deve ocorrer, isso se dilui, se normaliza.

Em termos da relação bilateral, não há diferença significativa para a Argentina com Lula ou Bolsonaro?

D. G. – Sim, Bolsonaro foi refratário à Argentina, mas Alberto Fernández não ajudou em nada –ao contrário, foi bastante agressivo. E Bolsonaro não tinha porque ir atrás de remendar a relação, porque quem perde mais com esse esfriamento é a Argentina. A iniciativa deveria ter partido de Buenos Aires.

Se Lula ganhar, não vejo por que tomaria decisões para ajudar um governo argentino arrasado, em seu último ano de mandato e que muito provavelmente irá perder as eleições do ano que vem. Uma coisa será a retórica, o folclore, de Lula com Fernández e Cristina, que será de simpatia, amizade. Mas, na prática, um provável novo governo do PT estará olhando para a sucessão da Argentina, e o mais certo é que tenhamos um governo de centro-direita.

Uma vitória de Lula não daria fôlego a uma candidatura kirchnerista, possivelmente de Cristina?

D. G. – Não tenho dúvida de que Lula será usado na campanha do kirchnerismo, mas ele é um político inteligente e que sabe traçar estratégias. Então creio que dificilmente se envolverá demais.

E qual seria o impacto para gestões de esquerda que acabam de começar, como as de Colômbia e Chile?

D. G. – Do ponto de vista de uma política mais integradora, Chile e Colômbia juntos são uma combinação muito mais interessante para o Brasil do que a Argentina de hoje. Devido às relações comerciais no âmbito do Pacífico, por terem sido eleitos recentemente e serem do mesmo signo político.

Mas vejo um caminho à moderação na região –e vejo com otimismo. Tanto [Gabriel] Boric como [Gustavo] Petro amenizaram suas posições. Boric está muito mais ao centro do que sua base eleitoral, e Petro é um esquerdista que atua com pragmatismo também; basta ver que escolheu um chanceler moderado [Álvaro Leyva] e não correu para salvar [Nicolás] Maduro. Deixou claro que a reaproximação com a Venezuela se dá em termos práticos: retomada comercial, a necessidade de criar um canal de contato para a paz com o ELN.

Maduro quer mais, mas Petro não será defensor da ditadura chavista diante do mundo. É errado ver nele um radical. Eu fui guerrilheiro montonero e hoje me identifico com a centro-direita.

O sr. vê os futuros governos de Brasil e Argentina também caminhando para a moderação?

D. G. – Sim, o Lula que muito provavelmente ganhará as eleições não é um ressentido, surge como alguém que saiu de uma situação difícil disposto a aproximações e alianças. E a centro-direita que provavelmente ganhará na Argentina, seja com uma nova candidatura de Mauricio Macri, seja com Patricia Bullrich ou Horacio Larreta, tampouco buscará extremos.

Não concordo com a ideia de que há um pêndulo e agora vem uma onda de esquerda na região. Vejo um novo cenário num novo mundo. Uma América do Sul multi-ideológica, mas que cabe na mesma foto. Não vejo porque essa foto não possa ocorrer sem que alguém perca sua retórica. Com Putin e [Donald] Trump, aprendeu-se que loucos legitimados pelas urnas são perigosos. É por isso que Bolsonaro deve perder, que Cristina não tenha chance de ganhar e que esses líderes da região buscarão moderação.

Há uma preocupação no Brasil com um discurso que incita a violência, principalmente por parte de Bolsonaro. O sr. vê semelhança com o tom que usa o governo argentino com a oposição? Há risco de aumento da violência política na região?

D. G. – Tanto Bolsonaro como Cristina incentivam atitudes violentas, e isso é lamentável. No Brasil há ataques físicos a opositores. As pessoas que atacaram Cristina são fruto de sua retórica agressiva, uma resposta a ela.

Mas é preciso separar o pontual do geral. Cristina estimula a violência ao atacar a oposição, os meios de comunicação, a Justiça, porém não temos uma milícia kirchnerista. O próprio atentado foi um episódio isolado, cometido por um grupo que não representa um setor grande da sociedade.

O ex-embaixador da Argentina no Brasil Diego Guelar em evento na China Sikarin Fon Thanachaiary – 2.jul.19/Divulgação Fórum Econômico Mundial ** No caso do Brasil, ainda que poucos bolsonaristas saiam a cometer crimes, será algo episódico. Não acredito que um número significativo de militantes possa tomar as ruas e causar um problema grave, caso Bolsonaro perca. A intensidade da resposta à mensagem de ambos é muito baixa, e isso reforça a ideia de que caminhamos para uma moderação; líderes estridentes estão perdendo espaço e eleições.

Raio-x
Diego Guelar, 72

Ex-embaixador da Argentina na China, nos EUA e no Brasil, foi assessor para relações internacionais do ex-presidente Mauricio Macri. Na juventude, atuou como militante montonero. É autor de “La Invasión Silenciosa” e “El Pueblo Nunca se Equivoca”. 

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