Após relatório, Queiroga muda discurso e diz que orientação de suspensão de vacinação de adolescentes continuará por uma questão de “priorização e logística”
MÔNICA BERGAMO
Folhapress
O Ministério da Saúde concluiu a investigação sobre o caso de uma adolescente de 16 anos que morreu sete dias depois de receber a vacina da Pfizer contra a Covid-19. Segundo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, o relatório afirma que a jovem, que morava em São Bernardo do Campo (SP), teve púrpura trombocitopênica trombótica, um distúrbio autoimune de consequências graves, que leva à formação de coágulos pelo corpo. Eles bloqueiam o fluxo de sangue para órgãos vitais.
Ela morreu no dia 2 deste mês. Queiroga afirmou que o relatório, que ainda será divulgado, não diz que a morte tem relação com a vacina. “Não dá para estabelecer uma vinculação”, afirma ele. “Mas também não dá para descartar”, segue o ministro.
“Apenas não temos hoje casos como este descritos na literatura médica. Não sabemos se será um caso único ou se outros podem aparecer”, afirma. O ministro afirma que “mesmo que o caso estivesse vinculado ao imunizante, isso não invalidaria a vacinação [desta faixa etária]. Os benefícios dela são infinitamente maiores do que os riscos”.
O Brasil já vacinou 3,5 milhões de adolescentes entre 12 e 17 anos. Este e o único evento adverso grave conhecido. A conclusão do caso, no entanto, não deve fazer o ministério voltar a indicar a vacinação de adolescentes de forma imediata. O ministro afirma que talvez seja necessário segurar o freio por uma questão de “priorização e logística”.
Ele afirma que jamais os adolescentes sem comorbidades poderiam ser vacinados antes de se completar a segunda dose na população adulta e a terceira dose em idosos e vulneráveis. “Esse grupo deveria ser vacinado lá para a frente. Os gestores não podem desobedecer o planejamento do Plano Nacional de Imunização (PNI), pois com isso estão retirando o direito dos que vêm antes deles”, diz Queiroga.
Na semana passada, a pasta suspendeu a orientação de imunização de adolescentes, o que gerou questionamentos de profissionais e gestores de saúde. Governos estaduais, como o de São Paulo, seguiram aplicando a vacina neste grupo populacional.
Mesma avaliação da Secretaria Estadual de Saúde
A Secretaria da Saúde de São Paulo também concluiu, na sexta (17), que a vacina da Pfizer não foi a causa provável do óbito da adolescente de 16 anos em São Bernardo do Campo (SP), mas a doença autoimune. “As análises técnicas indicam que não é a vacina a causa provável do óbito e sim a doença identificada com base no quadro clínico e em exames complementares, denominada púrpura trombótica trombocitopênica (PPT)”, diz o governo paulista, que irá submeter os resultados à Anvisa.
De acordo com a secretaria, a doença autoimune é rara e grave, e não há nenhum relato até o momento que aponte o quadro como evento adverso ligado ao imunizante da Pfizer. A análise divulgada na sexta foi feita por 70 profissionais e reuniu especialistas em hematologia, cardiologia e infectologia, além de atuantes em centros de referência para imunobiológicos especiais do estado.
Também colaboraram especialistas dos municípios de São Bernardo do Campo, Santo André e São Paulo. “As vacinas em uso no país são seguras, mas eventos adversos pós-vacinação podem acontecer. Na maioria das vezes, são coincidentes, sem relação causal com a vacinação. Quando acontecem, precisam ser cuidadosamente avaliados”, afirmou o infectologista Eder Gatti, que coordenou a investigação.
“Os eventos adversos graves, principalmente aqueles que evoluem ao óbito, são discutidos com uma comissão de especialistas para se ter uma decisão mais precisa sobre a relação coma a vacina. Quando um caso vem à tona sem que este trabalho esteja finalizado, cresce o risco de desorientação, temor, de rejeição a uma vacina sem qualquer fundamento, prejudicando esta importante estratégia de saúde pública que é a campanha de vacinação”, seguiu Gatti.
Pressão de Bolsonaro
A Secretaria da Saúde de São Paulo afirma que pessoas com histórico de doenças autoimunes (causadas por autoanticorpos) podem receber as vacinas contra Covid-19 disponíveis no país -e devem consultar um médico em caso de dúvida. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus apoiadores pressionaram o ministro da Saúde a rever regras para vacinação contra a Covid-19 de adolescentes.
Feita às pressas e sem conhecimento dos técnicos do PNI (Programa Nacional de Imunizações), a decisão de orientar que jovens menores de 18 anos não sejam imunizados pegou de surpresa gestores do SUS, diretores da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e até secretários de Queiroga.
O ministro atribuiu o recuo a dúvidas sobre a segurança e eficácia dos imunizantes em adolescentes. Ele negou que tenha seguido ordem do presidente. “Bolsonaro não mandou nada. O presidente não interfere nisso daí”, disse.
Segundo o ministro, o presidente apenas recebe informações que repassa a ele. “Bolsonaro é o presidente da República. Conversamos várias vezes por dia. E ele sabe de alguma coisa e me diz ‘Queiroga, veja isso aí”, diz o ministro.
Um dos motores da campanha de contestação à vacinação de adolescentes foi a ex-atleta de vôlei e comentarista de Os Pingos nos Is, da rádio Jovem Pan, Ana Paula Henkel. Em 13 de setembro ela publicou no Twitter que a Saúde não recomendava a aplicação das doses em menores de 18 anos, quando a pasta, na verdade, já orientava a imunização destes grupos a partir de 15 de setembro. A publicação foi compartilhada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Na quinta-feira, Henkel celebrou o recuo do Ministério da Saúde e disse, no Twitter, que Queiroga “mostra liderança na proteção de nossas crianças e adolescentes”. A vice-presidente da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações), Isabella Ballalai, classificou como aterrorizante a decisão de Queiroga. A entidade soltou uma nota nesta sexta (17) com críticas à decisão do governo de mudar as regras da campanha de imunização.
Segundo Ballalai, a medida representa a criação de uma nova crise no meio de uma pandemia, quando os governantes deveriam estar trabalhando exatamente no caminho contrário, em uma busca por melhorias nos mecanismos de gestão para evitar esse tipo de problema.
“O governo dividiu a população e acabou com a confiança nos órgãos de saúde públicos”, disse a especialista. “A adesão à vacinação depende de vários fatores, como a confiança nas autoridades, nos profissionais e na estrutura de saúde, que foi abalada”, afirmou.