Em um dia histórico para a política americana, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou nesta ontem (18) o impeachment do presidente Donald Trump. De maioria democrata, o plenário da Casa registrou 230 votos a favor e 197 contra a acusação de que o presidente cometeu abuso de poder ao pressionar a Ucrânia a investigar Joe Biden, seu principal adversário na eleição de 2020.
O presidente também é acusado de obstruir o Congresso ao atrapalhar as investigações depois que o episódio foi descoberto -foram 229 votos a favor e 198 contra a denúncia. Três democratas votaram contra o impeachment: Jeff Van Drew, de Nova Jersey, que quer mudar de partido; Collin C. Peterson, de Minnesota; e Jared Golden, do Maine. Golden votou contra apenas no segundo artigo.
A democrata Tulsi Gabbard (Havaí), pré-candidata a presidente, votou “presente” -que não conta nem como a favor nem como contra. Um dos republicanos, John Shimkus, de Illinois, não foi votar porque está visitando o filho na Tanzânia. Ele disse que avisou Trump que a viagem estava marcada desde antes de a votação ser agendada na Câmara e que não apoiaria o impeachment caso estivesse na Casa.
A votação foi eletrônica, mas os parlamentares tinham a opção, pouco usual, de votar em papéis verdes (a favor) e vermelhos (contra). Vários republicanos e alguns democratas escolheram votar assim como um gesto histórico. Enquanto os deputados decidiam o destino do presidente, o terceiro a sofrer impeachment na história dos EUA, Trump participava de um comício em Michigan.
Ele acusou os democratas de atuarem “consumidos pelo ódio” e de “tentarem anular os votos de dez milhões de patriotas americanos.” “Eles [os democratas] é que deveriam sofrer impeachment, cada um deles”, disse para a multidão que gritava “mais quatro anos”.
Eram necessários 216 votos para aprovar o impeachment em pelo menos uma das acusações -maioria simples dos 430 deputados em plenário-, mas o resultado ainda não é suficiente para tirar Trump do cargo. Ao contrário do Brasil, onde o afastamento do chefe de governo ocorre imediatamente após o Senado receber a denúncia de impeachment aprovada pela Câmara, o presidente dos EUA só deixa o cargo após o aval do Senado, hoje com maioria republicana.
A partir de janeiro, os 100 senadores, 53 deles republicanos, serão os jurados das acusações chanceladas pelos deputados, em sessões comandadas pelo presidente da Suprema Corte, John Roberts. O avanço do impeachment, porém, vai além dos trâmites legais. O processo é pano de fundo da eleição do próximo ano e tem servido de estratégia aos dois lados de um polarizado tabuleiro político.
O desfecho na Câmara, de maioria oposicionista, já era esperado em Washington, mas servirá de reforço à narrativa dos democratas de que Trump não tem mais condições de liderar o país. A expectativa da oposição é a de que o passo concreto dado nesta quarta-feira estimule o apoio popular em torno do tema e pressione os senadores a também votar pelo impeachment.
Mas o roteiro tem dois problemas fundamentais: o interesse dos eleitores americanos sobre o processo diminui a cada semana, e o assunto parece ter se tornado apenas mais um elemento de disputa partidária. Além disso, o cenário é favorável a Trump no Senado, e os democratas sabem disso. Os republicanos têm maioria na Casa e apostam nisso para enterrar de vez o processo.
Ali são necessários mais de dois terços dos votos. Ou seja, no mínimo 67 dos 100 senadores precisam votar contra Trump, possibilidade remota visto que o presidente goza de expressivo apoio dentro do seu partido, e poucas defecções são esperadas. Analistas e políticos americanos avaliam ainda que o impeachment se tornou mais um elemento da polarização em que já estão mergulhados os EUA, sem grande potencial de reflexo no voto do eleitorado em 2020.
Quem não gosta de Trump, dizem, usará a aprovação na Câmara como argumento de que ele abusou do cargo e deve sair, enquanto quem o defende tentará capitalizar a provável decisão dos senadores de rejeitar o processo. Trump tem força em sua base eleitoral, energizada com a repetida retórica de que o presidente é vítima de uma caça às bruxas inventada pelos democratas e alimentada, na sua avaliação, pela imprensa americana.
Os bons índices da economia -com taxas de desemprego baixíssimas e crescimento do PIB (Produto Interno Bruno) em 2% mesmo com a crise global- também têm ajudado o discurso do republicano. As pesquisas mais recentes mostram a população divida quanto ao impeachment: cerca de 47% querem que Trump seja removido do cargo, enquanto 46% são contra o afastamento do presidente.
As eleições nos EUA, no entanto, não se baseiam no voto popular, mas sim no sistema indireto de Colégio Eleitoral. Justamente com o temor de ver o impeachment parar no Senado e ter que lidar com o fracasso político às vésperas de 2020, a cúpula democrata resistiu por muito tempo em avançar com o processo.
No entanto, diante das informações de que Trump havia pressionado a Ucrânia a investigar Biden e o filho dele, Hunter, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, precisou mudar de postura. Em 24 de setembro, ela anunciou a abertura do processo de impeachment e deu início ao inquérito contra Trump.
A partir daí o Comitê de Inteligência da Câmara conduziu interrogatórios sobre as acusações com diplomatas, funcionários de alto escalão do governo e especialistas. No fim de novembro, as audiências se tornaram públicas, em uma estratégia da oposição para angariar apoio popular à tese de que Trump atuou de forma irregular quando pressionou a Ucrânia. E as testemunhas não decepcionaram. Em depoimentos transmitidos ao vivo pela TV, confirmaram que o presidente havia condicionado ajuda militar de US$ 391 milhões ao país do leste europeu a apurações contra os Bidens.
A contrapartida é um dos pilares cruciais da oposição para mostrar o desvio de conduta e abuso de poder de Trump em suas relações com a Ucrânia. Em 3 de dezembro, o Comitê de Inteligência da Câmara divulgou seu relatório sobre o processo de impeachment. Em seguida, foi a vez do Comitê Judiciário começar os trabalhos para deliberar se os atos do republicano se enquadravam nas definições do Artigo 2º, Seção 4 da Constituição dos EUA, que traça as regras para o impeachment.
A Carta estabelece que o presidente “deve ser removido do cargo através do impeachment se condenado por traição, suborno e outros altos crimes.” O deputado democrata Jerry Nadler, presidente do Comitê Judiciário e responsável por redigir as acusações contra Trump, chegou a convidar o republicano a depor, mas ele se negou.
Após a elaboração dos dois artigos -ou acusações- de impeachment, o processo seguiu para o plenário da Câmara, etapa concluída com a votação desta quarta-feira. Trump nega qualquer irregularidade em sua relação com a Ucrânia e diz que o telefonema com Zelenski foi um evento corriqueiro, sem pedidos com contrapartidas.
Na terça-feira (17), o presidente enviou uma carta de seis páginas a Pelosi dizendo que protestava de maneira “forte e poderosa contra o impeachment”, o qual ele descrevia como uma “cruzada” liderada pelos democratas. Nos bastidores, porém, o presidente diz querer esticar ainda mais o processo -enquanto os democratas trabalharam para acelerá-lo nas últimas semanas- já que o tempo corre contra a oposição.
Dois dos principais pré-candidatos, Bernie Sanders e Elizabeth Warren, são senadores e estarão comprometidos no julgamento do Senado em vez de se dedicarem à campanha nos estados, por exemplo. Esta é a terceira vez na história americana que a Câmara aprova o impeachment de um presidente. Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1998, sofreram impeachment na Câmara, mas foram absolvidos pelo Senado. Richard Nixon renunciou antes da votação da Câmara em 1974, ao perceber que perdia apoio entre seus próprios aliados e seria removido do comando da maior potência mundial.
CONTAGEM DOS VOTOS
Eram necessários 216 votos contra Trump em qualquer um dos artigos para aprovar o impeachment
Abuso de poder:
O presidente é acusado de abusar de seu poder ao pressionar a Ucrânia a investigar Joe Biden, seu principal adversário na eleição de 2020
230
deputados votaram a favor
197
deputados votaram contra, incluindo dois democratas
Obstrução do Congresso:
O presidente é acusado de interferir nos poderes de investigação do Congresso enquanto este conduzia o inquérito sobre a denúncia de abuso de poder
229
deputados votaram a favor
198
deputados votaram contra, incluindo três democratas
Três deputados não votaram.
A pré-candidata democrata Tulsi Gabbard votou ‘presente’ -nem a favor, nem contra.