Ex-presidente apresentou queixa ao órgão em 2016 contra o juiz Sérgio Moro nos processos da Lava Jato
O Comitê de Direitos Humanos da ONU anunciou nesta quinta-feira (26) que, depois de anos de exame, os julgamentos contra ex-juiz espanhol Baltasar Garzón foram arbitrários e não respeitaram os princípios de independência e imparcialidade judicial.
Segundo a própria entidade, essa é a “primeira vez que o Comitê decidiu e condenou um Estado pelo uso do direito penal contra um juiz no exercício de suas funções, estabelecendo assim uma nova jurisprudência”.
O mesmo órgão da ONU avalia, desde 2016, uma queixa apresentada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que argumenta que seu processo não foi imparcial e que o então juiz Sérgio Moro atuou de forma irregular em processo da Operação Lava Jato.
O órgão é o encarregado de supervisionar o cumprimento do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, assinado e ratificado pelo Brasil.
Porém, como o caso do ex-presidente foi derrubado pelo próprio sistema Judiciário brasileiro, existe a possibilidade de que a ONU opte por não se pronunciar ou acelerar o caso. O argumento seria de que as instâncias nacionais agiram.
O Comitê não tem meios para exigir que um estado cumpra suas decisões. Mas uma condenação é considerada como uma obrigação legal se o país envolvido ratificou os tratados que criam o mecanismo.
Na ONU, a decisão desta semana é considerada como um marco. O ex-juiz do Tribunal Nacional Espanhol, Baltasar Garzón, foi processado e julgado em 2012 por ter alegadamente prevaricado em dois casos de grande relevância política a nível nacional.
No caso do Franquismo, ele assumiu a jurisdição de investigar desaparecimentos forçados durante a Guerra Civil e a ditadura do General Francisco Franco. No caso Gürtel, ele decidiu interceptar escutas telefônicas entre os réus e seus representantes para evitar a prática de crimes.
Garzón foi absolvido do caso Franquismo, mas foi condenado por prevaricação no caso Gürtel e desqualificado de seu cargo por 11 anos.
Em 2016, Garzón apresentou uma queixa contra a Espanha ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, alegando que ele havia sido vítima de múltiplas violações de direitos humanos durante esses dois julgamentos.
“O Comitê concluiu que o processo criminal contra Garzón como juiz de instrução em ambos os casos foi “arbitrário””, diz a ONU, em um comunicado.
“No julgamento do Franquismo, o parecer do Comitê especifica que as decisões [do ex-juiz] “constituíram pelo menos uma interpretação jurídica plausível, cuja maior ou menor adequação foi revista em recurso, sem parecer que essas decisões constituíram má conduta ou incompetência que pudesse justificar sua incapacidade de desempenhar suas funções”.
“O Comitê salienta em seus pareceres que mesmo que Garzón tivesse cometido um erro judiciário, isso deveria ter sido corrigido por uma revisão por um tribunal superior e não por um processo criminal do ex-juiz”, destaca.
“O artigo 14.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos estabelece o direito de todos a serem julgados por um tribunal independente e imparcial”, explica.
“O direito de ser julgado por um tribunal independente inclui uma garantia implícita contra processos arbitrários ou de motivação política. No caso dos juízes, este direito é particularmente relevante e garante que eles possam realizar seu trabalho judicial sem interferência ou obstrução indevidas, protegendo-os de processos criminais ou disciplinares arbitrários”, disse o membro do Comitê José Santos Pais.
O Comitê também concluiu que Garzón não teve o direito de ser julgado por um tribunal imparcial e lembrou que alguns dos juízes da Suprema Corte que o julgaram intervieram nos dois casos. O órgão ainda criticou o fato de Garzón não ter tido acesso a uma segunda instância para recorrer, dado que foi julgado na primeira e única instância pelo Supremo Tribunal, a mais alta instância judicial da Espanha.
No caso específico da Gürtel, o Comitê sublinha que a condenação de Garzón por prevaricação foi “arbitrária e imprevisível”, pois não foi baseada em disposições legais suficientemente explícitas, claras e precisas. O artigo 15 do Pacto estabelece o princípio de legalidade e previsibilidade, ou seja, que ninguém pode ser condenado por atos que não estavam suficientemente previstos explicitamente no momento em que foram cometidos.