Pedido foi encaminhado do comandante do Exército, mas ainda não saiu a resposta
VINICIUS SASSINE
Folhapress
O presidente Jair Bolsonaro pediu ao comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que dê tratamento especial à filha dele, Laura Bolsonaro, 10, e que a criança seja matriculada no Colégio Militar de Brasília de forma excepcional, sem passar pelo processo seletivo a que são submetidos meninos e meninas que disputam as vagas abertas na unidade de ensino.
A informação apurada pelo jornal Folha de S.Paulo foi confirmada pelo CCOMSEx (Centro de Comunicação Social do Exército) no início da noite de terça-feira (24).
Segundo o Exército, o comandante ainda não proferiu uma decisão a respeito do pedido. O general aguarda uma manifestação do Departamento de Educação e Cultura da Força, conforme previsto em regulamento que trata do funcionamento dos colégios militares, afirmou o CCOMSEx à reportagem nesta quarta (25). A partir disso, a questão “será levada para despacho com o comandante”.
A Secretaria Especial de Comunicação Social do governo federal, que assessora o presidente da República, não respondeu à reportagem até a noite desta quarta.
“Minha filhota, do Colégio Militar de Brasília”, disse um apoiador ao presidente, em transmissão feita por um canal bolsonarista nas redes sociais. “Legal. A minha deve ir ano que vem para lá, a imprensa já tá batendo. Eu tenho direito por lei, até por questão de segurança”, respondeu Bolsonaro.
A reportagem fez um contato formal com a assessoria de imprensa do Exército, solicitando informações sobre o pedido de Bolsonaro, no começo da tarde de segunda (23).
Se Laura for matriculada no Colégio Militar de Brasília sem passar pelas provas exigidas de candidatos mirins, o Exército deve repetir o benefício dado ao filho da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). No ano passado, o menino de 11 anos foi matriculado no colégio, sem seleção, para cursar o sexto ano.
Zambelli é uma das principais apoiadoras de Bolsonaro. A deputada admitiu o privilégio, mas negou irregularidades.
Ela alegou que se tratava de uma questão de segurança: o filho sofreria ameaças desde 2016, conforme a mãe. A autorização para matrícula em caráter excepcional foi dada pelo então comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, e publicada em um boletim interno de acesso restrito.
O Colégio Militar de Brasília é uma unidade do Exército. Os concursos para seleção de crianças para estudarem na unidade e em mais 13 colégios – Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Santa Maria (RS), Fortaleza, Manaus, Belo Horizonte, Juiz de Fora (MG), Salvador, Recife, Curitiba, Campo Grande e Belém-abriram inscrições no último dia 18.
As inscrições prosseguem até 24 de setembro. Depois, há um longo calendário até a efetivação da escolha dos alunos que estudarão nos colégios militares do Exército.
Em Brasília, conforme o manual do candidato publicado, estão disponíveis apenas 15 vagas para o sexto ano do ensino fundamental. São três as etapas a que serão submetidas as crianças candidatas: exame intelectual, que tem caráter eliminatório e classificatório; revisão médica e odontológica, eliminatória; e “comprovação dos requisitos biográficos dos candidatos”, também eliminatória.
Já os exames médicos, para quem for classificado, incluem: radiografia do tórax, glicose, hemograma completo, sumário de urina, parasitologia de fezes, eletrocardiograma e exame clínico e odontológico. A biografia consiste na análise do histórico escolar.
Para concorrer a uma das 15 vagas, o edital exige que o candidato seja brasileiro, que esteja cursando ou tenha terminado o quinto ano do ensino fundamental e que tenha entre 10 e 13 anos.
As matrículas das crianças que passarem na seleção estão previstas para o período de 17 de janeiro a 12 de fevereiro de 2022.
Filhos e filhas de militares também podem ser matriculados nos colégios do Exército em condições específicas, independentemente de seleção, como órfãos, dependentes de militares que mudaram de sede e dependentes de militares aposentados por invalidez.
Regulamento
Essas previsões estão no Regulamento dos Colégios Militares, o R-69, vigente desde 2008 por meio de uma portaria editada pelo comandante do Exército. Ele prevê ainda acesso a anos escolares para os quais não há processo seletivo, conforme regulação do departamento de ensino da Força.
Para esses casos, são feitos sorteios, mediante inscrição direta dos interessados no Colégio Militar. O de Brasília, por exemplo, publicou no último dia 23 um comunicado com informações sobre sorteios para eventuais vagas ociosas no sétimo, oitavo e nono anos do ensino fundamental, além de segundo e terceiro anos do ensino médio, todas elas para 2022. O sorteio inclui os casos especiais previstos no R-69.
O mesmo R-69 é usado para as autorizações excepcionais, as matrículas de alunos por decisão direta do comandante do Exército.
No caso do filho da deputada Zambelli, o então comandante do Exército usou o artigo 92 do regulamento. É o último do R-69: “Os casos considerados especiais poderão ser julgados pelo comandante do Exército, ouvido o DEP [Departamento de Ensino e Pesquisa].”
As vagas nos colégios militares são disputadas. Em 2017, na unidade em Brasília, houve 1.212 candidatos para 25 vagas ofertadas para o sexto ano, ou 48 candidatos por vaga.
Zambelli admitiu ter sido privilegiada no ano passado em relação à matrícula de seu filho.
“Realmente foi um privilégio [o filho estudar em colégio militar], mas não um privilégio imoral. Eu tive que tirar [meu filho] no meio do ano letivo, de uma cidade que ele adorava, com os amigos dele, a família. Tive que trazer ele às pressas para Brasília por causa das ameaças que ele passou a sofrer de novo”, afirmou.
No caso da filha de Bolsonaro e da primeira-dama Michelle Bolsonaro, o comandante do Exército também poderá sacramentar o entendimento de que se trata de um “caso especial”, aos moldes do previsto no artigo 92 do R-69, especialmente por questões de segurança, segundo avaliação feita internamente.
O presidente vem fazendo diversas intervenções nas Forças Armadas, que estão sob a autoridade do chefe do Executivo, conforme a Constituição Federal.
Bolsonaro demitiu um ministro da Defesa e os três comandantes, em março, abrindo a maior crise militar desde a década de 1970; interveio para que o general da ativa Eduardo Pazuello não fosse punido pelo comandante por ter participado de ato político em maio, quando subiu em palanque com o presidente; e fala em “meu Exército” para se referir à Força que integrou antes de virar político profissional.