Levantamento feito junto ao Ministério da Saúde aponta manipulação dos dados das vacinas enviadas ao Estado
O sistema do Ministério da Saúde que contabiliza o envio de vacinas contra a covid-19 aos estados subtraiu 6,4 milhões de doses mandadas a São Paulo na comparação entre os dias 2 e 6 de agosto. A diferença, para mais, ocorreu na véspera do envio de uma nova remessa aos estados, no dia 3 de agosto, quando o governo de São Paulo reclama ter recebido um quantitativo inferior ao esperado.
Na atualização feita no dia 2 agosto, o sistema do ministério apontava que São Paulo havia recebido 48,3 milhões de doses. Esse dado foi conferido pela reportagem na sexta, por volta das 9h. O número foi alterado no dia 6 de agosto, caindo para 41,9 milhões. Ou seja, em quatro dias, 6,4 milhões de doses sumiram do sistema, sem explicação. O governo de São Paulo diz ter recebido 41,9 milhões de doses.
Nesse mesmo período, houve o primeiro envio de doses sob um novo critério do ministério, criado para compensar estados que tinham recebido menos doses. A pasta chegou a acusar o governo de São Paulo de ficar com mais doses antes de repassar à União. Nesta terça-feira (10), após um vaivém entre o estado e a federação, o ministério começou a enviar remessas extras da Pfizer a São Paulo.
O ministério não explicou o motivo da exclusão das doses. Se comentar, a justificativa será incluída no texto.
SP aparecia com mais doses
A reportagem havia consultado os dados na semana passada, que apontou como estados do Nordeste e do Norte estavam no fim do ranking de doses recebidas em comparação com a população que precisava ser vacinada.
Ao consultar novamente o banco de dados na segunda-feira (9), após São Paulo questionar o número informado na reportagem, havia uma mudança, com mais doses nos outros 25 estados e no Distrito Federal, enquanto São Paulo havia tido queda no número de vacinas distribuídas.
Com os dados disponíveis na atualização do dia 2 de agosto, São Paulo liderava como a unidade de federação com mais doses recebidas proporcionalmente, com 1,04 vacina recebida para cada habitante; já o Amapá teve direito a apenas 0,66. Com a atualização do dia 6, esse percentual caiu para 0,9, ou seja, ficaria em uma eventual quarta colocação.
Houve uma mudança no critério de distribuição de doses pelo PNI (Plano Nacional de Imunização). O novo parâmetro foi definido na reunião da Comissão Intergestores Tripartite do dia 29 de julho, quando houve uma “reorganização da Campanha Nacional de Vacinação contra a Covid-19, na qual definiu que a distribuição das doses adotaria o critério por faixa etária”.
No informe técnico repassado aos gestores, a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 informou que o objetivo da medida era “equiparar a cobertura vacinal dos estados de acordo com a população”. Com isso, estados que haviam recebido doses a mais iriam receber menos para, assim, o país alcançar uma média similar de vacinação entre todas as unidades da federação.
Na remessa seguinte à decisão, São Paulo recebeu menos doses — justamente quando o sistema do ministério apresentava erro para mais no quantitativo de doses mandadas para São Paulo. A denúncia foi feita, inicialmente, pelo governador João Doria (PSDB), no dia 4, dois dias após a atualização.
São Paulo denunciou ter recebido apenas 10% da remessa total do ministério, quando o pacto federativo estabelece que, por causa da população, São Paulo fique com 22,6%. Isso resultaria em um déficit de 228 mil doses da Pfizer/BioNTech.
Ainda no dia 4, o ministério argumentou que o envio foi menor para compensar. Na sexta (6), o secretário estadual, Jean Gorinchteyn, encontrou o ministro Marcelo Queiroga, mas os dois não chegaram a um acordo, porque Queiroga dizia que o estado havia recebido a mais.
Gorinchteyn, por sua vez, negava e ameaçava judicializar a questão. Ontem, o ministério enviou uma remessa com 50 mil doses da Pfizer. Segundo o estado, ainda faltam 178 mil para equilibrar.
A Secretaria de Saúde de São Paulo diz que recebeu 41,9 milhões de doses, e não as 48,3 milhões apontadas inicialmente.
Fiocruz confirma dado errado
O dado equivocado não estava apenas no vacinômetro do Ministério da Saúde. O boletim Covid da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) também usou como base os dados atualizados em 2 de agosto e apontava o mesmo envio de 48,3 milhões de doses para São Paulo.
“Temos dificuldade para saber e acompanhar o gerenciamento de dados que ocorre no Ministério da Saúde, inclusive se há participação direta dos técnicos do Datasus ou se tais procedimentos foram agenciados para alguma empresa privada. As fontes originais dos registros que consubstanciam os critérios de distribuição das vacinas provêm de municípios e estados, porém a consolidação dos mesmos ocorre sob a gerência do ministério”
por Alcides Miranda, UFRGS
Essa não é a primeira vez que o PNI registra problemas relacionados a informações. Em fevereiro, o ministério trocou os estados do Amazonas e Amapá e enviou a quantidade invertida de doses aos estados.
Outra falha no sistema foi vista nas datas de registro de aplicações de doses, que levou a um entendimento equivocado de que milhares de brasileiros teriam tomado vacina fora da validade.
Pesquisadores da área têm relatado ser comum os sistemas do ministério apresentarem dados fora da realidade. Um deles foi citado em reportagem no dia 7 de julho que apontou 1,5 milhão de pessoas tinham dados indicando terem tomado mais de duas doses de vacina contra a covid-19, mas apenas 27 mil tinha consistência de informações.