sexta-feira, 26 abril 2024

CPI: Coronel queria ‘parceria comercial’ com Dominghetti em venda de vacina

Tenente-coronel Marcelo Blanco foi demitido do Ministério da Saúde em janeiro  

Coronel Marcelo Blanco durante depoimento à CPI da Covid – Jefferson Rudy/Agência Senado

Em depoimento à CPI da Covid, o tenente-coronel Marcelo Blanco afirmou nesta quarta-feira (4) que projetava uma “parceria comercial” com o cabo da Polícia Militar mineira Luiz Paulo Dominghetti para vender vacinas contra o coronavírus ao mercado privado.

Na versão da testemunha, fora este o motivo pelo qual ele levou o PM — que se apresentava como lobista da empresa americana Davati Medical Supply — a um jantar com Roberto Dias, então diretor de logística do Ministério da Saúde, em 25 de fevereiro, no restaurante Vasto, em Brasília.

Foi durante o encontro, descrito por Dias à CPI como um simples happy hour, que o ex-servidor teria, de acordo com Dominghetti, solicitado propina. Blanco nega ter feito qualquer pedido de propina.

A vantagem ilícita teria a seguinte finalidade: levar adiante um acordo entre a Davati e o governo brasileiro para a aquisição de suposto lote de 400 milhões de doses da AstraZeneca. O ex-diretor do ministério nega ter cometido qualquer ilegalidade. Não há provas de que o crime tenha realmente ocorrido. Mesmo assim, Dias foi exonerado do cargo logo depois que o relato de Dominghetti foi publicado originalmente pelo jornal Folha de S.Paulo, em 29 de junho.

Atuou como ponte

Durante a oitiva, o militar confirmou ter atuado como uma ponte entre as partes, mas com uma ressalva: o objetivo era apenas orientar o revendedor quanto aos trâmites comerciais. Ele também negou ter oferecido facilidades aos ofertantes da vacina e/ou solicitado algum tipo de comissão pelo trabalho de intermediação.

Blanco explicou que, de forma privada, nutria o interesse em explorar o potencial mercado de comercialização de vacinas com empresas e seus respectivos donos —embora não existisse perspectiva, à época, de tramitação de um projeto de lei com esse objetivo no Congresso Nacional (ou seja, autorizar legalmente a venda de imunizantes ao setor privado).

Blanco, o presidente da CPI, Omar Aziz, e o relator, Renan Calheiros –
Jefferson Rudy/Agência Senado

O depoente rebateu e citou uma reportagem publicada na imprensa em janeiro, um mês antes do jantar entre Dias e Dominghetti, que já indicava a possibilidade de que o tema poderia ensejar mobilizações favoráveis e contrárias em relação às atividades do Legislativo nacional.

“Eu prospectava na figura do Dominguetti que ele poderia ser um possível parceiro comercial da iniciativa privada. É uma coisa absolutamente distante da outra”, disse Blanco ao colegiado, na tentativa de dissociar os seus interesses privados das negociações entre Davati e Ministério da Saúde.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), respondeu então que o coronel havia feito “lobby” e cometido potenciais crimes relacionados a intermediação de interesses. “Não, senhor. Não fiz lobby”, retrucou a testemunha.

“Estamos estarrecidos com a quantidade de pessoas desqualificadas que fizeram contato com o Ministério da Saúde”, opinou Aziz, em referência a Blanco, Dominghetti e também ao reverendo Amilton Gomes de Paula, líder de um grupo evangélico que tentou intermediar o negócio da venda das doses de AstraZeneca em favor da Davati.

Coronel exibe diálogos com Dominghetti

Antes de começar a responder aos questionamentos do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), Blanco usou os 15 minutos de explanação introdutória para antecipar a sua estratégia de defesa e expressar a tese de que seus interesses com Dominghetti eram privados.

O depoente exibiu aos senadores áudios e mensagens com diálogos entre os dois que apontariam, segundo ele, o esboço de um relacionamento comercial com o intuito de explorar a venda de imunizantes ao setor privado. As conversas datam do período entre 9 e 22 de fevereiro. O jantar no restaurante Vasto ocorreu no dia 25.

Os membros da CPI apontaram então que se tratava de uma atividade ilegal, uma vez que a legislação que autorizava a compra de vacinas pela iniciativa privada apenas foi sancionada no dia 11 de março.

“A primeira menção a se ter uma lei é do dia 18 de fevereiro. A primeira reunião ocorre no dia 21 de fevereiro, eu participei, sob a resistência do governo [ao projeto de lei]”, disse o vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues.

“Eu só estava querendo construir um modelo de negócio”, rebateu o coronel.”A gente vem acompanhando [o debate] no que é público. E eu falei para ele [Dominghetti] ‘precisamos desenhar uma estratégia almejando esse mercado’. Eu gostaria de ter algo já desenhado.”

Exonerado em janeiro

Blanco foi exonerado em janeiro do Ministério da Saúde, um mês antes do avanço das negociações entre o governo e a Davati.

Na pasta, o coronel exerceu o posto de assessor e foi diretor substituto do departamento de logística — cargo que pertenceu a Dias até a publicação da reportagem da Folha de S.Paulo, em 29 de junho. O jornal revelou o suposto pedido de propina a partir do relato de Dominghetti.

O pedido de convocação do coronel foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). O parlamentar destacou que a oitiva pode ajudar a “esclarecer a notícia veiculada pelo jornal de que o governo Bolsonaro teria pedido propina de um dólar por dose de vacina por meio do diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias”.

Para o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Blanco é o “representante da parte do Ministério da Saúde” em relação às “negociatas”, e o depoimento dele servirá para fazer um “link” entre pontos ainda não esclarecidos.

‘Evento casual’

Em seu depoimento à CPI, em 7 de julho, Roberto Dias afirmou que o jantar do qual teriam participado Dominghetti e Blanco no restaurante Vasto não passou de um evento casual. Ao continuar a ser questionado pelos senadores, porém, admitiu que Blanco deveria saber que estava no local devido a conversas mantidas entre os dois ao longo do dia.

Hoje, Blanco confirmou que sabia que Roberto Dias estaria no restaurante e disse que viu na ocasião uma oportunidade de apresentar o Dominghetti, já que este estava lhe pedindo agenda com representante da pasta.

Blanco foi exonerado em janeiro do Ministério da Saúde, um mês antes do avanço das negociações entre o governo e a Davati – Jefferson Rudy/Agência Senado

Dias negou que tenha solicitado propina e que tenha negociado vacinas fora do âmbito formal do ministério. No entanto, reconheceu ter recebido Dominghetti no dia seguinte ao encontro, em 26 de fevereiro.

Segundo o ex-diretor de logística, o policial não conseguiu comprovar que a Davati possuía autorização da AstraZeneca para negociar vacinas em nome da farmacêutica. Por esse motivo, as negociações teriam sido imediatamente interrompidas.

Cristiano Carvalho, representante oficial da Davati, disse, também em depoimento à CPI da Covid, que foi avisado do suposto pedido de propina, embora não tenha presenciado o eventual ato.

Carvalho afirmou ainda que o acréscimo, que chamou de “comissionamento”, seria destinado ao “grupo” ligado ao coronel Blanco.

“A informação que veio a mim, vale ressaltar isso, não foi o nome propina. Ele [Dominghetti] usou comissionamento. Ele se referiu a esse comissionamento sendo do grupo do tenente-coronel Blanco e da pessoa que o tinha apresentado ao Blanco, que é de nome Odilon”, disse.

“Odilon” seria Guilherme Filho Odilon, um interlocutor entre Dominghetti e o coronel Blanco. Servidores públicos não podem receber comissionamento ou propina em troca de negócios.

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