quinta-feira, 25 abril 2024

Crise com Bolsonaro preocupa até ministros mais bolsonaristas

Temer foi procurado para aconselhar presidente no caso do impeachment de ministros do STF

Ministros próximos ao presidente Jair Bolsonaro estão preocupados com o acirramento da crise entre os Poderes – Marcos Corrêa/PR

O grau de agressividade do presidente Jair Bolsonaro em seu embate institucional com outros Poderes, particularmente o Judiciário, tem causado preocupação até entre os mais bolsonaristas de seus auxiliares.

Dois episódios envolvendo o secretário-geral da Presidência, general da reserva Luiz Eduardo Ramos, exemplificam a alta octanagem da atmosfera do Palácio do Planalto.

Na segunda-feira da semana passada (16), Brasília vinha de um fim de semana no qual o presidente havia dito que entraria com um pedido de impeachment contra os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Mais: Bolsonaro avisou aliados de que iria pessoalmente protocolar o pedido no Senado, o que alarmou alguns de seus conselheiros mais próximos. A medida em si já seria inédita em tempos recentes e extrema, alegaram, a fazê-lo desta forma aumentaria uma crise que já é enorme.

Na segunda, Ramos teve uma conversa com o ex-deputado e ex-secretário de Governo da gestão Temer Carlos Marun (MDB), muito próximo do ex-presidente, sobre a tensão vigente —o ministro iria depor na quarta (18) na Câmara.

Dela surgiram dois relatos, com o resultado igual: a sugestão para que Temer aconselhasse Bolsonaro para baixar o tom da crise. Para aliados do ex-presidente, a ideia foi um pedido de Ramos; para pessoas próximas do ministro, uma iniciativa de Marun, a quem Bolsonaro deu cargo de conselheiro de Itaipu até 2024, a partir da conversa.

Temer e Ciro Nogueira

De todo modo, Temer disse que não poderia ligar por iniciativa própria, lembrando que no passado Bolsonaro o procurou para pedir conselhos. Mas aceitou falar com Ciro Nogueira, o novo chefe da Casa Civil.

Ao ministro, ponderou sobre a gravidade do ato e que, mesmo sendo algo previsto na Constituição, a entrega pessoal do pedido de impeachment deveria ser evitada.

Ciro então falou com Bolsonaro, que não baixou o tom da retórica, mas de fato abandonou a ideia do teatro no Senado. Ao protocolar o pedido na sexta (20), o fez somente contra Moraes, o ministro que na condição de relator do inquérito das fake news e de atos antidemocráticos no Supremo tem punido bolsonaristas em sequência.

O próprio ataque do presidente foi uma resposta à prisão do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), ocorrida na sexta retrasada (13). Depois disso, Moraes ainda foi à carga para coibir a organização de atos antidemocráticos no 7 de Setembro.

Em outro episódio ocorrido na terça (17), Ramos conversava políticos paulistas levados a seu gabinete com o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), vice-líder do governo no Congresso.

Temer aceitou conversar com o ministro Ciro Nogueira sobre a crise reforçada pelo pedido e impeachment de Alexandre de Moraes – Carolina Antunes/PR

Num dado momento, os presentes comentaram um discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ramos relatou que o petista falava de Bolsa Família, medidas para recuperação da economia e combate à pandemia, enquanto Bolsonaro e os seus investiam sua energia na pauta do voto impresso e criticam o uso de máscaras.

As queixas do general são especialmente significativas porque ele é um dos soldados mais fiéis do bolsonarismo, sempre que pode lembrando da ligação que tem com o presidente, com quem dividiu dormitório na escola de cadetes do Exército em Campinas.

Nessa condição, aceitou perdas sucessivas de poder no Planalto. Primeiro, deixou a Secretaria de Governo para a Casa Civil, na esteira da crise militar de abril que mexeu as peças com a ida de Walter Braga Netto para a Defesa.

Depois, naquela que é a humilhação maior para o grupo que chegou ao poder em 2018 prometendo acabar com o que chamava de velha política, cedeu a Casa Civil para Ciro, expoente do centrão, o grupo associado à fisiologia a quem Bolsonaro se agarrou para tentar evitar um processo de impeachment.

Preocupação

Desta forma, se é possível especular se a preocupação da Ramos denota alguma insatisfação, até pela maior proeminência de Braga Netto no time bolsonarista do governo e pelo espaço reduzido da Secretaria-Geral, isso não se refletiu até aqui.

Ao contrário, Ramos permaneceu como conselheiro e animador de ideias radicais do chefe. Foi dele a construção da live do dia 29 de julho, quando Bolsonaro deixou o país atônito ao fazer uma defesa do voto impresso e acusando as urnas eletrônicas de serem passíveis de fraude a partir de boatos de internet.

A live gerou uma notícia-crime do Tribunal Superior Eleitoral contra Bolsonaro, que foi aceita por Moraes no Supremo, além de o colocar no rol de investigados no inquérito das fake news.

Além de ser visto por Bolsonaro como alguém que quer ver ao menos um de seus filhos preso, Moraes será o presidente do TSE na eleição do ano que vem, o que explica a carga presidencial focada no ministro.

De todo modo, parece que a marcha de Bolsonaro rumo à tensão máxima entre Poderes, simbolizada agora no ato que o presidente está promovendo em seu favor no 7 de Setembro, pode ter começado a causar ruídos mesmo no núcleo duro do governo.

Assim como Donald Trump fez nos EUA, Bolsonaro busca numa inexistente fraude eleitoral a desculpa para algum tipo de ruptura institucional, o que vem sendo combatido pelo Supremo, por atores do mundo político e por governadores de estado.

Há temor de piora no quadro, como mostrou o episódio da punição de João Doria (PSDB-SP) a um coronel da Polícia Militar paulista por apoio ao ato de Bolsonaro.

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