Marcelo Luiz Nogueira dos Santos trabalhou no gabinete de Flávio Bolsonaro
Marcelo Luiz Nogueira dos Santos, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), revelou que no período em que foi funcionário do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) era obrigado a devolver mensalmente 80% de seu salário.
A informação foi divulgada pela coluna do jornalista Guilherme Amado, no portal Metrópoles, e confirmada pela reportagem, que ouviu outros detalhes do ex-assessor, que é conhecido como Marcelo Nogueira. Ele afirma que, além dos 80% do salário, tinha que entregar porcentagem semelhante do 13º salário, das férias, do que recebia como vale-alimentação e ainda da restituição do imposto de renda.
De acordo com Nogueira, ele precisava entregar esses valores em dinheiro vivo nas mãos da advogada Ana Cristina Siqueira Valle, segunda mulher do presidente Jair Bolsonaro. Isso ocorreu todos os meses ao longo de mais de quatro anos. Ele foi assessor de Flávio Bolsonaro na Alerj no período de 1º de fevereiro de 2003, início do mandato de Flávio, até 6 de agosto de 2007, quando Ana Cristina e Jair Bolsonaro se separaram.
Nessa mesma época, a ex-mulher do agora presidente era a chefe de gabinete de Carlos Bolsonaro, em seu primeiro mandato na Câmara Municipal do Rio, que também é acusado de rachadinha. As mesmas condições, segundo ele, foram impostas a funcionários de Carlos na Câmara. “Tudo a mesma coisa”, afirmou Nogueira, à coluna.
Em maio, o TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) autorizou a quebra de sigilo bancário e fiscal de Carlos, Ana Cristina e outros 25 assessores para apurar a suspeita de rachadinha e da nomeação de funcionários fantasmas no gabinete do vereador.
Devolução da maior parte dos salários
Nos anos de 2003 e 2004, o salário bruto de Nogueira era de R$ 1.791,79. A partir de 2005, o salário passou a ser de R$ 4.253,69. Já em 2006, foi de R$ 4.466,37. Ao todo, nos mais de quatro anos na Alerj, ele recebeu em salário bruto um valor de R$ 176.700. Esse valor corrigido pela inflação do período chega a R$ 382.805.
Marcelo Nogueira diz que não era funcionário fantasma no gabinete e prestava serviços. “Atendia eleitor, fazia serviço de correspondência: etiquetar, colocar selo, todo aquele trabalho que eles fazem”, diz Nogueira.
O ex-assessor disse que conheceu Ana Cristina por intermédio de um namorado e recebeu dela o convite para ir trabalhar no gabinete de Flávio. No entanto, desde o início, a proposta incluía devolver a maior parte do salário que era recebido no contracheque.
“Tudo foi negociado com ela (Ana Cristina)”, diz ele, que afirma que ela o orientou a não falar nada para Bolsonaro.
Na quebra de sigilo bancário, autorizada no âmbito das investigações de Flávio Bolsonaro, é possível ver os saques mensais feitos por Nogueira ao longo de 2007. Em 13 oportunidades Marcelo realizou saques de mais de R$ 1 mil, chegando até a se endividar nesse período. Em abril daquele ano, por exemplo, dois dias após receber R$ 4 mil da Alerj, ele fez um saque de R$ 3 mil.
Após a saída dele do gabinete, em sete anos de vida bancária, em apenas duas oportunidades houve registro de transações em espécie com valor acima de R$ 1 mil.
O relato de devolução de salários e verbas como 13º salário, férias e restituição do imposto de renda feito por Marcelo Nogueira é semelhante ao da estatística Luiza Sousa Paes, outra ex-assessora de Flávio que fechou um acordo de colaboração com o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) no ano passado. Ela foi nomeada muito tempo depois de Nogueira sair do gabinete, já em 2011.
Luisa disse que ficava com R$ 700 dos quase R$ 5.000 que recebia como assessora. No entanto, a estatística admitiu que nunca trabalhou no gabinete de Flávio Bolsonaro e que entregava os valores para Fabrício Queiroz, apontado como um dos operadores do esquema. Essa é agora uma das principais provas contra o senador na investigação sobre o gabinete dele.
“Queria me escravizar”
Marcelo Nogueira morou os últimos cinco anos com Ana Cristina, em Resende, no sul do Rio de Janeiro. Eles se desentenderam depois que ela o convidou para ir trabalhar com ela em Brasília e, segundo ele, não pagou os valores acordados anteriormente. A segunda mulher do presidente mudou em fevereiro para a capital federal e recentemente passou a viver em uma mansão de R$ 3,2 milhões no Lago Sul, região das mais nobres de Brasília.
“Ela falava ‘você tá fazendo questão, mas não vai ter nem gasto, vai tá morando na minha casa.’ Eu falava que ‘não sou seu escravo não, não trabalho pra morar na casa de ninguém não’. A gente trabalha pra ter nossas coisas, sou igual todo mundo, não é porque sou preto que vou ficar em casa de patrão não. Ela queria me escravizar, né?” Ele considera que Ana Cristina foi “praticamente” racista com ele. “Ela me viu como o quê? Só porque eu era preto”.
Esse foi um dos motivos alegados pelo ex-funcionário para denunciá-la ao MPT (Ministério Público do Trabalho). Ele afirmou ainda que pretende ingressar com uma ação na Justiça por danos morais contra a ex-mulher de Bolsonaro.
Familiares em Resende
Questionado sobre os parentes de Ana Cristina que constaram das listas de funcionários nos gabinetes dos Bolsonaro, Nogueira disse que é “mais do que testemunhado” que eles viviam em Resende e não trabalhavam como assessores.
“Eles não moravam em Resende? Isso é mais que testemunhado. A vida deles sempre foi em Resende. Se puxarem lá…como é que eles iam ir para o Rio todo dia e voltar. Nem precisa perguntar isso. É só parar e pensar. Todos eles tinham vida em Resende no período em que eles estavam no cargo”, contou ele, ao dizer que nunca esteve com eles no gabinete. Um total de 10 parentes de Ana Cristina constou como assessores de Flávio. Além disso, outros sete foram do gabinete de Carlos Bolsonaro.
O ex-assessor confirmou informações já publicadas anteriormente de que familiares que são investigados estavam cobrando que ela pagasse honorários de advogados.
“Queriam que ela resolvesse e botasse o advogado porque não era só dinheiro deles. Ela que tinha envolvido eles nessa. Hipocrisia né, quando a gente entra, a gente entra ciente de tudo, mas cada um sabe das coisas. Quando eu aceitei a situação, eu tava desempregado, nunca tinha recebido o valor que propôs na época, desempregado, eu vivia sozinho, pra mim, o que eu devolvia, eu nunca tinha ganho aquilo ali, o que ficava pra mim já era muito, pra época era bastante, entendeu, então eu aceitei, entendeu?”, afirmou Nogueira.
O ex-assessor diz que se sente em “situação tranquila” porque afirma que foi um funcionário efetivo. Não era igual aos demais parentes dela que foram funcionários fantasmas.
“Apesar de tudo, tinha uma situação tranquila porque eu trabalhava, e eles pô? Eles faziam, davam o nome deles, mas não trabalhavam. Sabiam que qualquer hora podia dar merda, entendeu? Na verdade, eles estavam, não sei, usurpando o dinheiro público, que estavam recebendo dinheiro, o mínimo que seja, mas estavam recebendo sem prestar serviço. Eu posso falar porque prestava serviço. Eu falo que roubei nada do dinheiro público”, afirma Nogueira.
Imóveis de Ana Cristina e Bolsonaro
Nogueira disse que acompanhou as compras de imóveis feitas por Ana Cristina no período do casamento com Jair Bolsonaro. A advogada não tinha bens antes da união, em 1998.
“Isso foi antes da separação. Ela que comprava isso tudo. Tudo quem fazia era ela. Tudo quem comprava era ela. Ele mesmo nunca se envolveu muito. Ela tomava conta de tudo”, diz Nogueira.
Já no fim do casamento, Ana Cristina e Jair Bolsonaro eram donos de 14 imóveis dos quais cinco foram comprados em dinheiro vivo. Questionado se sabia que os imóveis estavam em nome de Ana Cristina e Bolsonaro, o ex-assessor afirmou que “ela colocava, mas ele não concordava muito não”.
O casal ainda tinha carros, ações e dinheiro vivo nos cofres da família. “Ela comprava muita joia. Sei que ela comprava muita coisa”, diz Marcelo.