O ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, foi avisado sobre a escassez crítica de oxigênio em Manaus por integrantes do governo do Amazonas, pela empresa que fornece o produto e até mesmo por uma cunhada sua que tinha um familiar “sem oxigênio para passar o dia”. Pazuello também foi informado sobre problemas logísticos nas remessas.
Os avisos foram dados pelo menos quatro dias antes do absoluto colapso dos hospitais da cidade que atendem pacientes com Covid-19, inclusive um hospital universitário federal, o Getúlio Vargas.
Ainda assim, e mesmo estando na capital do Amazonas nos três dias que antecederam o colapso, o ministro não tomou as providências necessárias para garantir o fornecimento de oxigênio.
Em um evento político em Manaus na última segunda-feira (11), que reuniu a cúpula do Ministério da Saúde e as principais autoridades do Amazonas para o lançamento de um plano de enfrentamento à Covid-19 no estado, Pazuello admitiu em seu discurso que tinha conhecimento do que ocorria nos hospitais naquele momento: “Estamos vivendo crise de oxigênio? Sim”.
Ele prosseguiu: “Quando eu cheguei na minha casa ontem, estava a minha cunhada, com o irmão sem oxigênio nem para passar o dia. ‘Acho que chega amanhã.’ ‘O que você vai fazer?’ ‘Nada. Você e todo mundo vão esperar chegar o oxigênio e ser distribuído.’ Não tem o que fazer. Então, vamos com calma.”
Naquele momento em que ouvia um alerta dentro de casa, o ministro da Saúde já havia sido alertado por outras vias sobre a escassez crítica de oxigênio nos hospitais.
Integrantes do governo do Amazonas relataram à reportagem que o general foi avisado sobre o problema, uma vez que a atuação no estado, diante da força da segunda onda do coronavírus, vinha ocorrendo de forma conjunta.
Os mesmos alertas vinham sendo dados pela empresa fabricante do oxigênio e principal fornecedora dos principais hospitais, a White Martins. O Hospital Universitário Getúlio Vargas também é abastecido com o oxigênio dela.
A empresa fez alertas mais incisivos desde o dia 7 sobre a impossibilidade de o fornecimento acompanhar o aumento da demanda.
No mesmo evento público em Manaus, no dia 11, Pazuello ouviu do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC): “Aí a gente começa a viver outro drama. Na quinta-feira [7], a principal empresa fornecedora nos comunicou que não tinha mais capacidade de fornecer oxigênio na quantidade que a gente precisava. Ela nos disse: ‘Parem de abrir leitos.'”
Aviões da Força Aérea Brasileira começaram a transportar cilindros de oxigênio a Manaus a partir do dia 8, sexta-feira, mas em quantidades bem inferiores à necessária.
O colapso se manifestou de forma mais notória seis dias depois. Em diferentes unidades de saúde, pacientes com Covid-19 morreram asfixiados diante do esgotamento do oxigênio.
O consumo diário de oxigênio chegou a 70 mil m3 por dia, o triplo da capacidade de produção da White Martins, segundo a empresa. Na primeira onda da pandemia em Manaus, entre abril e maio, o pico foi de 30 mil m3.
O caos que se instaurou, os relatos de mortes de pacientes sem ar e o medo de novas mortes em série levaram o governo de Jair Bolsonaro a agir para tentar garantir a chegada de oxigênio e a sobrevivência de pessoas nos hospitais.
As ações envolvem os ministérios da Saúde, da Defesa e da Educação, por meio da estatal que administra os hospitais universitários federais. Pacientes passaram a ser transferidos a hospitais em outros estados.
Para o MPF (Ministério Público Federal), o MP (Ministério Público) do Amazonas, a DPU (Defensoria Pública da União) e a Defensoria Pública do estado, o governo federal é responsável direto pelo que ocorre em Manaus. O governo do estado também tem responsabilidade, segundo esses órgãos.
As instituições apresentaram à Justiça Federal uma ação civil pública em que pedem que a União apresente imediatamente um plano de abastecimento da rede de saúde do Amazonas com oxigênio.
A ação também pede uma decisão liminar (provisória) que obrigue o governo federal a reativar usinas de produção de oxigênio no estado e a reconhecer a importância do isolamento social.
A Constituição Federal prevê que cabe ao Estado fornecer gratuitamente às pessoas carentes a medicação necessária para um tratamento médico, cita a ação protocolada na Justiça. À União cabe a tarefa de coordenar as atividades do SUS (Sistema Único de Saúde), afirma o documento.
Na sexta (15), o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que o governo federal promovesse, imediatamente, todas as ações ao seu alcance para debelar a “seríssima crise sanitária” instalada em Manaus, em especial suprindo os estabelecimentos de saúde de oxigênio medicinal.
Outros episódios mostram a responsabilidade do governo Bolsonaro pelo que ocorreu em Manaus.
A ação na Justiça cita que uma aeronave da Força Aérea “apresentou problemas que necessitam de reparos, de modo que houve uma paralisação no fluxo emergencial de fornecimento do oxigênio, culminando na situação atual”. Os problemas teriam sido reportados na manhã do dia 14.
Além disso, um dos focos do problema foi um hospital universitário federal, que passou por uma ampliação de leitos para pacientes com Covid-19 sem o correspondente incremento no fornecimento de oxigênio.
Bolsonaro é um entusiasta das aglomerações na pandemia, um detrator do uso de máscaras e um crítico do distanciamento social.
Deputados que seguem suas posições radicais, entre eles seu filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), pressionaram e comemoraram nas redes sociais o recuo do governador do Amazonas, que iria implantar um lockdown no fim do ano e desistiu.
O presidente da República também age contra a vacinação em massa da população. Ele levanta dúvidas sobre a eficácia da única vacina, a chinesa Coronavac, já disponível em território brasileiro. E lança suspeitas infundadas sobre efeitos colaterais do imunizante.
A aposta do governo Bolsonaro é em medicamentos sem comprovação científica para Covid-19 –a cloroquina é o carro-chefe–, ao ponto de cobrar, num documento oficial, que os médicos do Amazonas adotem o kit chamado de preventivo.
Na manhã de sexta, o presidente disse que o governo fez a sua parte: “Problema em Manaus, terrível o problema lá. Agora nós fizemos a nossa parte, (com) recursos, meios.”
O Ministério da Saúde, em nota na sexta, afirma que ampliou as ações de apoio emergencial no Amazonas, com transferência de pacientes para outros estados. Estão garantidos pelo menos 149 leitos, segundo a pasta. Mais de 2.500 profissionais de saúde foram recrutados para atender pacientes com Covid-19 no Amazonas, diz.
Aviões da Força Aérea e de companhias privadas foram mobilizados para levar cilindros de oxigênio líquido e gasoso a Manaus, oriundos de diversas partes do país, segundo o ministério. “Tanto pequenas quanto médias empresas que envasam o gás pelo país informaram que incrementarão suas produções para suprir a demanda”, diz a nota.
O governo Bolsonaro e a falta de oxigênio em Manaus:
Ministro da Saúde foi avisado por diferentes vias, com antecedência, e não agiu
Oxigênio faltou dentro de um hospital universitário federal, que passou por ampliação de leitos
Força Aérea Brasileira transportou cilindros de oxigênio em quantidade inferior à necessária para evitar um colapso
Transporte aéreo enfrentou problemas, segundo ação civil pública do MPF
Houve falha na logística do transporte de oxigênio, com dependência ao transporte em balsas provenientes de Belém, que levam dias para a conclusão do transporte
Falta de articulação entre as diferentes áreas do governo
A aposta é em tratamento precoce com base em medicamentos sem comprovação científica para a Covid-19
Faltaram UTIs aéreas para transferir pacientes em estado grave a outras capitais
Há uma demora na transferência de pacientes a hospitais em outras capitais
O presidente da República estimula aglomerações e faz reiterados discursos contra o distanciamento social
Há atraso na vacinação, inexistência de uma data para o início e campanha do presidente contra o único imunizante disponível até agora