domingo, 22 dezembro 2024

Mancha Verde e Grande Rio são as campeãs em SP e RJ, respectivamente

 Mancha ganha com o samba-enredo “Planeta Água” e Grande Rio com a temática sobre o orixá Exu

A Grande Rio veio disposta a celebrar a potência de Exu e subverter a crença segundo a qual o orixá seria uma figura maligna, visão que é fruto da intolerância religiosa (Foto: Divulgação)

GRANDE RIO 

O jejum de 34 anos chegou ao fim. Com enredo sobre o orixá Exu, a Acadêmicos do Grande Rio se sagrou campeã do Carnaval carioca e conquistou o primeiro título de sua história. A Beija-Flor foi a vice-campeã, enquanto o terceiro lugar ficou com a Viradouro. Veja aqui como ficou a apuração nota a nota.

Na última edição, em 2020, a escola de Duque de Caxias chegou muito perto do título, mas perdeu para a Viradouro nos critérios de desempate.

Desta vez, porém, não teve quem parasse a agremiação, que fez um desfile considerado impecável.

Penúltima escola a entrar na avenida, a Grande Rio veio disposta a celebrar a potência de Exu e subverter a crença segundo a qual o orixá seria uma figura maligna, visão que é fruto da intolerância religiosa.

O que se viu na Marquês de Sapucaí foi um cortejo exuberante e cheio de simbolismo. A escola surpreendeu já na comissão de frente, que trazia como destaque o ator Demerson D’alvaro personificando Exu.

Na avenida, o artista se agarrava a um grande globo vermelho -representando a Terra- no qual havia quatro oferendas. Ao chegar ao topo, Exu se deliciava com os alimentos e gargalhava a plenos pulmões.

Especialistas e foliões rasgaram elogios à comissão de frente e à atuação de Demerson, considerada cheia de vigor e energia, como pede o orixá.

Batizada de “Câmbio, Exu”, a comissão faz referência a Estamira, catadora de lixo que protagonizou um documentário que leva seu nome. No filme, ela usava um telefone para se comunicar com Exu e abria as conversas com a frase “Câmbio, Exu. Fala Majeté”. Daí surgiu o nome do enredo deste ano, intitulado “Fala Majeté! Sete Chaves de Exu”.

A Grande Rio também conseguiu traduzir na avenida todo o dinamismo de Exu, entidade que representa a mudança, a comunicação e o movimento. Exu, portanto, tem muitas faces. Foi pensando nisso que os carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad decidiram colocar na avenida o orixá com múltiplas representações.

No sambódromo, havia Exu Caboclo, Exu Mirim, Exu feito Santo Antônio, Exu Bossa Nova, Exu Macunaíma. Embora fossem muitas, essas representações tinham em comum o tom vibrante e festivo que o Carnaval e o próprio Exu simbolizam.

Jayder Soares, patrono da Grande Rio, comemorou o título inédito após décadas de espera. “É Caxias, é o povo guerreiro. Chegamos lá!”, disse.

Diretor de comunicação da escola, Antonio Ferreira afirmou que a conquista tem um sabor especial por ser o primeiro Carnaval após a pandemia e o primeiro título no grupo especial. “Muitos debochavam da gente. Todos podem contar com Caxias, com a Grande Rio”, afirmou.

Ferreira também disse que o desfile passou a mensagem de que todos são iguais perante a Deus, independentemente da religião. “Cada um tem a sua opção. O ser humano é que cria o problema.”

Rainha de bateria da Grande Rio, a atriz Paolla Oliveira encantou o público com fantasia inspirada na Pombagira, espécie de Exu feminino, entidade transgressora e insubmissa. Ao longo da avenida, Paolla se curvava para trás e ria como a Pombagira.

“Exu fala sobre potência, sobre comunicação, sobre tirar os conceitos que temos sobre determinadas coisas, abrir o coração, as mentes, para abrir os caminhos em volta”, disse a atriz, ainda na concentração. “Tem festa, tem cultura, mas tem um pouco de crítica e política também.”

Durante boa parte da apuração, a Beija-Flor e a Acadêmicos do Grande Rio disputaram o título décimo a décimo. Com um desfile sobre a contribuição de pessoas negras para a humanidade, a escola foi muito elogiada por foliões e especialistas.

Os julgadores, porém, deram o título à tricolor de Caxias.

Já a São Clemente, que neste ano homenageou o ator Paulo Gustavo, foi rebaixada para a série ouro.

O desfile da Grande Rio reflete em larga medida o tom do Carnaval deste ano no sambódromo, que foi pautado pela temática social. É o caso do Salgueiro, da Beija-Flor e do Paraíso do Tuiuti, que homenagearam as populações negras.

A Mangueira também celebrou figuras negras, com enredo sobre Cartola, intérprete Jamelão e mestre-sala Delegado, os três baluartes da verde e rosa.

A Vila Isabel também prestou homenagem a Martinho da Vila, principal representante da agremiação.

A Unidos da Tijuca fez um belo desfile sobre a lenda do guaraná, que celebrou os povos indígenas.

A exemplo da Grande Rio, a Mocidade também deu destaque às religiões de matriz africana, com enredo sobre as peripécias do orixá Oxóssi.

Neste ano, três escolas foram penalizadas. A Paraíso da Tuiuti perdeu dois décimos por causa de atraso no desfile. A Mocidade perdeu um décimo em razão de falhas em uma alegoria, já a Mangueira foi multada em R$ 60 mil por causa de atraso na saída dos carros.  

MANCHA VERDE 

A Mancha Verde conquistou o título do Grupo Especial do Carnaval 2022 em São Paulo após apuração de notas realizada na tarde desta terça-feira (26), no Anhembi. Com o samba-enredo “Planeta Água”, a escola faz referência a Iemanjá, que nas religiões de matrizes africanas é a orixá das águas salgadas.

“Iemanjá! Iê-Iemanjá! / Rainha das ondas, senhora do mar! / Iemanjá! Iê-Iemanjá! / No azul dos teus mistérios eu também quero morar”, diz o refrão, fazendo uma saudação a orixá.

Antes do início da apuração os representantes das escolas fizeram um minuto de silêncio em homenagem aos integrantes que morreram durante a pandemia de Covid-19. Por causa da crise sanitária, o desfile de 2021 foi cancelado e o deste ano acabou adiado de fevereiro para o feriado de Tiradentes.

O presidente da Mancha Verde, Paulo Serdan, chorou ao comentar o trabalho de criação do desfile nesses dois últimos anos sem Carnaval. Ele também homenageou os mortos que faziam parte da escola e disse que o grupo distribuiu toneladas de mantimentos e cestas básicas em favelas de São Paulo durante a pandemia.

A agremiação conquistou seu primeiro título no Grupo Especial no Carnaval de 2019, quando apresentou o samba-enredo “Oxalá, salve a princesa! A saga de uma guerreira negra”, onde contou a história da princesa africana Aqualtune, e, por meio dela, discutiu escravidão, intolerância religiosa e direitos humanos.

No último Carnaval, em 2020, a escola esteve perto do título, terminando a apuração como vice-campeã.

A disputa este ano também foi emocionante, com quatro agremiações terminando a disputa empatadas -a Mancha só levou o título pelos critérios de desempate. A Mocidade Alegre terminou em 2º lugar, seguida pelo Império da Casa Verde e pela Tom Maior.

Na lanterna, ficou a Vai-Vai, que perdeu pontuação significativa nos quesitos fantasia e mestre-sala e porta-bandeira. Com isso, a escola, maior campeã da história do Carnaval paulistano, terá que disputar o Grupo de Acesso em 2023. A Colorado do Brás também foi rebaixada.

Depois de dois anos de espera, o desfile do Grupo Especial de São Paulo aconteceram na última sexta (22) e sábado (23), no Sambódromo do Anhembi. No total, foram 14 escolas, sete por noite -a Mancha foi a terceira a entrar na avenida no primeiro dia.

A volta das escolas ficou marcada por uma mistura de lágrimas, ansiedade e a alegria. Na primeira noite dos desfiles, as arquibancadas laterais estavam mais vazias do que em anos anteriores, mas isso não tirou o sorriso do rosto de quem estava no Anhembi. A noite também foi marcada por atrasos e falhas técnicas.

A Acadêmicos do Tucuruvi, primeira escola a ocupar a avenida, deveria ter entrado às 22h30, mas só iniciou sua evolução quase às 23h. A Mancha também demorou um pouco mais que o previsto seu desfile, começando sete minutos depois da hora marcada.

Desfilando pela primeira vez na avenida, Yasmin Louise Benício Souza, 18, integrou uma das alas da Tucuruvi, e não escondeu a emoção. “Passou muito rápido, a melhor sensação da minha vida e, com certeza, virei nos próximos anos.”

Após o desfile da Tom Maior, quarta agremiação a ocupar o sambódromo, foi observado que havia vazado óleo na avenida. Por causa disso, uma equipe da prefeitura precisou limpar a pista, atrasando em cerca de uma hora a entrada da Unidos de Vila Maria.

Penúltima a desfilar, a Acadêmicos do Tatuapé também não ficou livre de problemas. O segundo carro quebrou assim que entrou na avenida, já com o sol raiando.

Apesar dos contratempos, a primeira noite foi marcada por homenagens ao próprio Carnaval e mensagens de esperança. A Acadêmicos do Tatuapé espalhou cheiro de incenso pela avenida.

Nesta primeira noite também desfilaram Colorado do Brás, Unidos de Vila Maria e Dragões da Real.

Já na segunda noite, o sambódromo estava bem mais cheio do que na véspera. Os desfiles foram marcados por um tom político, com críticas ao governo federal, e referências religiosas.

A crítica mais explícita à gestão de Jair Bolsonaro (PL) foi feita pela sexta escola a entrar na avenida, a Rosas de Ouro. O último carro da agremiação mostrou um sósia do presidente que se “transformou” em um jacaré, referência a um pronunciamento feito por ele sobre a vacinação contra a Covid-19.

Quando uma enfermeira aplicou uma injeção no “presidente”, um efeito de fumaça foi feito sobre ele, uma porta secreta girou e um jacaré apareceu.

Parte do público, motivado pelo protesto artístico, aplaudiu e passou a gritar “Fora, Bolsonaro”.

A Gaviões da Fiel, segunda escola a desfilar, também fez uma crítica ao governo, mas de forma mais velada.

O hair designer Neandro Ferreira, 55, desfilou usando terno e uma faixa semelhante às usadas por presidentes. Ao lado dele, uma componente da escola, de terninho e saia, também usava uma faixa.

Ferreira estava em uma ala com integrantes representando militares, armados com fuzis. O enredo da Gaviões, “Basta”, falava da luta contra o racismo, o fascismo e as opressões.

Antes do Carnaval, Ferreira disse que desfilaria como um “Bolsonaro Gay”. Mas após a repercussão da entrevista e de acusações de homofobia na internet, a Gaviões disse que o personagem que seria interpretado por ele seria um “governante fascista qualquer”.

Tanto a Gaviões quanto a Rosas de Ouro começaram bem na apuração, mas perderam fôlego em quesitos como alegoria e evolução. Elas terminaram respectivamente em 8º e 9º lugares.

Também no segundo dia, a Mocidade Alegre abordou questões raciais e homenageou a sambista Clementina de Jesus. Estiveram ainda na avenida a a Vai-Vai, a Águia de Ouro, a Barroca Zona Sul e o Império de Casa Verde, que contou a história da comunicação.

O presidente da Mancha Verde, Paulo Serdan, chorou ao comentar o trabalho de criação do desfile nesses dois últimos anos sem Carnaval (Foto: Divulgação)

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