segunda-feira, 25 novembro 2024

Nos EUA e no Brasil, mulheres tomaram mais vacinas contra Covid do que homens

A iniciativa buscou números em 198 países, mas apenas 39 deles detalham a aplicação de vacinas por gênero. De modo geral, a população das nações quase sempre se divide em 50% de homens e 50% de mulheres

Para especialistas de saúde pública no Brasil, essa disparidade não é novidade, pois as mulheres tendem a cuidar mais da saúde ( Foto: Agência Brasil)

Em países das Américas, como EUA, Brasil e Argentina, as mulheres estão se vacinando mais contra a Covid. Já em algumas partes da África e na Índia, a situação é inversa: mais homens têm sido imunizados.

O papel de cada um nas diferentes sociedades e a valorização de uma figura masculina tradicional em algumas nações ajudam a explicar essas diferenças, que podem atrasar a imunização geral e o fim da pandemia. Os dados de vacinação por sexo foram compilados pelo projeto The Covid-19 Sex-Disaggregated Data Tracker, organizado pela iniciativa Global Health 50/50, cuja base fica no Reino Unido e que busca a igualdade de gênero na saúde, em parceria com outras duas ONGs.

A iniciativa buscou números em 198 países, mas apenas 39 deles detalham a aplicação de vacinas por gênero. De modo geral, a população das nações quase sempre se divide em 50% de homens e 50% de mulheres. Assim, as mulheres estão se imunizando mais nos EUA (elas tomaram 53% das doses já aplicadas), no Brasil (58,5%), na França (53,8%) e na Nova Zelândia (60,6%).

Para especialistas de saúde pública no Brasil, essa disparidade não é novidade, pois as mulheres tendem a cuidar mais da saúde. “Esse comportamento tem relação com o acesso das mulheres à educação em cada país e a forma como a sociedade as valoriza”, avalia Eliseu Waldman, professor do Departamento de Infectologia da USP. Em lugares como Gabão e Índia, onde há poucas doses e as mulheres têm menos espaço na sociedade, os homens passaram na frente.

“Elas buscam muito mais informações sobre prevenção. Há uma cultura de que elas são as gestoras de saúde da família, pois cuidam das crianças, dos avós e dos maridos. Pode parecer machista, mas é uma evidência”, diz Isabella Ballalai, vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunização).

Outra razão para a maior taxa de vacinação é que elas geralmente vivem mais. Nos EUA, a expectativa de vida das mulheres é de 81,2 anos, contra 76,2 dos homens. No Brasil, essa cifra é de 80,1 anos para elas, e de 73,1 para eles. E, nos dois países e em boa parte do Ocidente, os mais velhos foram imunizados antes.

Nos EUA, porém, a imunização está liberada para todos os maiores de 16 anos desde abril, e ainda assim a diferença é grande. No país, cerca de 8 milhões de mulheres se vacinaram a mais do que os homens.

A resistência masculina ajuda a explicar a redução no ritmo da campanha de vacinação americana. Apesar da abundância de doses, o país imunizou por completo, até agora, 46,4% de sua população.

Especialistas apontam que o conceito de masculinidade tradicional pode explicar a menor procura deles pela proteção. Homens são mais propensos a questionar indicações de especialistas e a rejeitar medidas de prevenção, como o uso de protetor solar. Ou seja, preferem decidir por si mesmos quais ações tomar.

Estas tendências se repetiram na pandemia: levantamentos feitos nos EUA revelam que os homens estavam menos propensos do que as mulheres a usar máscaras e álcool em gel e a respeitar o distanciamento social. Alguns consideram que seguir essas regras pode passar um sinal de fraqueza.

“A conformidade com as normas masculinas tradicionais está relacionada às atitudes negativas sobre o uso de máscaras”, aponta um dos estudos, publicado no Journal of Health Psychology e produzido por James Mahalik, Michael Di Bianca e Michael Harris, que entrevistaram cerca de 600 pessoas em agosto.

Há também um fator político. Nos EUA, movimentos conservadores ligados ao Partido Republicano atraem seguidores que admiram o modelo do homem destemido e autossuficiente. E essa legenda politizou a pandemia: sua principal figura, Donald Trump, recusa-se a usar máscaras e fez eventos com aglomerações em 2020, quando ainda era presidente dos EUA. Sua mensagem, de que não era preciso temer o vírus e de que era válido ignorar a ciência, encontrava eco em homens que gostam de se afirmar.

“Muitas vezes, o discurso da extrema direita é contra atitudes saudáveis, como se imunizar, usar cinto de segurança e controlar a velocidade nas estradas”, comenta Waldman, da USP.

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro age de forma semelhante a Trump e segue promovendo aglomerações e desprezando as máscaras, enquanto busca se associar a símbolos de virilidade, como sair de moto ou cavalgar. Pesquisa Datafolha feita em março apontou maior resistência entre homens: 82% deles disseram ter planos de tomar a vacina. Entre mulheres, a intenção chegava a 86%.

No país, as mulheres tomaram 57,4% das doses, e os homens, 42,6%. Há maior igualdade na distribuição em estados do Norte, como Roraima e Amazonas, onde elas receberam cerca de 53% dos imunizantes aplicados, segundo dados do Ministério da Saúde referentes à primeira dose. No sudeste, a discrepância é maior: no Rio de Janeiro e em São Paulo, elas tomaram quase 60% das vacinas.

Nos últimos meses, a diferença vem caindo. Em janeiro, as brasileiras tomaram quase 7 de cada 10 doses de vacina contra a Covid-19 aplicadas. Em junho, elas receberam 5,7 de cada 10.

Os especialistas apontam que uma saída para aumentar a participação masculina é mudar a forma como as campanhas são feitas. “A comunicação costuma ser muito voltada para mulheres e crianças, e o homem não se vê ali. Precisamos incluir a figura masculina”, aponta Ballalai, da SBIm.

Símbolo da vacinação brasileira, o Zé Gotinha segue a lógica do apelo infantil. Para a campanha contra a Covid, foi criada uma família completa para o personagem. De modo paralelo, em março, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) divulgou uma imagem que mostrava o mascote empunhando um fuzil com formato de seringa. Muito criticado à época, o desenho não foi mais divulgado. Embora alguns vejam a recusa de vacinas como prova de valentia, o gesto pode ser sinal de medo, diz Ballalai. “Quem trabalha com imunização brinca que o homem é o que mais tem medo de injeção. Já vi muitos desmaiarem.” 

Receba as notícias do Todo Dia no seu e-mail
Captcha obrigatório

Veja Também

Veja Também