Uma série de operações da Justiça Eleitoral que impediu a realização de eventos políticos em diferentes universidades públicas foi encarada por especialistas em direito eleitoral como “um grave atentado à democracia e à liberdade de expressão”.
As medidas, na maior parte delas relacionadas à fiscalização de suposta propaganda eleitoral irregular, vêm acontecendo nos últimos três dias e focam na suspensão de aulas públicas e eventos com temas como fascismo, democracia e ditadura militar. Alunos, professores e dirigentes de universidades públicas apontam censura.
No Rio de Janeiro, por exemplo, a Justiça ordenou que a Faculdade de Direito da UFF (Universidade Federal Fluminense) retirasse da fachada uma bandeira em que aparece a mensagem “Direito UFF Antifascista”. A bandeira chegou a ser removida na terça-feira sem que houvesse mandado judicial, mas logo depois foi recolocada por alunos.
A decisão judicial, proferida após 12 denúncias recebidas contra a faixa, diz que ela teria “conteúdo de propaganda eleitoral negativa contra o candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro [PSL]”. No lugar da antiga bandeira, apareceu uma nova com a palavra “censurado” no prédio. Os estudantes, que negam ter feito propaganda político-partidária, organizaram uma manifestação ontem.
Houve decisões judiciais semelhantes no Rio Grande do Sul, em Mato Grosso do Sul e na Paraíba. Há relatos de ações do tipo em ao menos 35 instituições.
“A defesa da democracia e do debate livre nos ambientes acadêmicos devem ser assegurados e não podem ser confundidos com propaganda eleitoral”, diz Renato Ribeiro de Almeida, professor da Escola Paulista de Direito.
“O que eu vi nas universidades alvo das operações foram cartazes contra o fascismo. Ser contra ele é uma bandeira universal. Isso não quer dizer que seja um pedido de voto”, completa Almeida.
Propaganda eleitoral é bem diferente de debate político, segundo Fernando Neisser, presidente da Comissão de Estudos de Direito Eleitoral do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo).
O especialista do Iasp explica que a propaganda eleitoral configura-se pelo pedido explícito de voto a um determinado candidato ou ao número da chapa pela qual ele é representado. “Isso é propaganda eleitoral e ela é vedada em ambientes de uso público, como as universidades”, diz Neisser.
O advogado especialista em direito eleitoral, Arthur Rollo, da Faculdade de Direito de São Bernardo (SP), lembra que debate político é um espaço para discussão de ideias. “Com posições claras, isonomia e respeito à diversidade de opiniões”, explica.
Reitor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Ricardo Marcelo Fonseca postou ontem texto numa rede social em que afirma que nos últimos dias a liberdade de expressão está sofrendo restrições e que as universidades estão sendo censuradas.
“É um processo que segue o modo como as restrições de direitos e a erosão das democracias modernas têm geralmente ocorrido: por meio do ‘normal funcionamento das instituições’ e, neste caso em particular, por determinações da Justiça Eleitoral”, disse.
TSE
A presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministra Rosa Weber, anunciou ontem à tarde que a Justiça Eleitoral vai investigar a conduta dos juízes que autorizaram ações policiais e de fiscais em universidades públicas para apurar suposta realização de propagandas eleitorais irregulares.
Segundo Rosa Weber, a Justiça Eleitoral deve coibir a propaganda eleitoral irregular, mas a restrição não alcança a liberdade de expressão.