sexta-feira, 22 novembro 2024

Moraes arquiva inquérito dos atos antidemocráticos no STF e abre outra investigação sobre ataques à democracia na internet

 Na contramão do que havia pedido a PGR, Moraes afirmou que os eventos identificados pela Polícia federal que deveriam ter a investigação aprofundada têm de ficar no STF em vez de serem remetidos à primeira instância

O ministro atendeu o pedido de arquivamento, mas determinou a instauração de outro inquérito que terá duração inicial de 90 dias ( Foto: Divulgação/Secom/STF)

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos e a abertura de outra investigação para apurar a existência de uma organização criminosa digital voltada a atacar as instituições a fim de abalar a democracia.

O magistrado faz referência ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) 12 vezes na decisão publicada nesta quinta-feira (1°) e afirma que é necessário aprofundar as investigações para verificar se aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) usaram estrutura pública do Palácio do Planalto, da Câmara e do Senado para propagar ataques às instituições nas redes sociais.

No dia 4 de junho, a PGR (Procuradoria-Geral da República) havia pedido o encerramento da apuração sobre os atos antidemocráticos no Supremo sob o argumento de que os investigadores não encontraram provas contra autoridades com foro especial. Além disso, solicitou o prosseguimento da investigação de seis casos em primeira instância.

Agora, o ministro atendeu o pedido de arquivamento, mas determinou a instauração de outro inquérito que terá duração inicial de 90 dias.

Na contramão do que havia pedido a PGR, Moraes afirmou os que  eventos identificados pela Polícia federal que deveriam ter a investigação aprofundada têm de ficar no STF em vez de serem remetidos à primeira instância.

“Nessas hipóteses, conforme entendimento pacífico dessa Corte Suprema, compete ao próprio STF definir os termos de eventual desmembramento da investigação e a eventual remessa às demais instâncias judiciais”, afirmou.

O ministro disse que os elementos levantados pela polícia apontam para a “existência de uma verdadeira organização criminosa” que é “absolutamente semelhante” àquela identificada no inquérito das fake news, que mira parlamentares, blogueiros e empresários aliados do presidente Bolsonaro.Por isso, o magistrado determinou o compartilhamento das provas coletadas no inquérito dos atos antidemocráticos com as apurações voltadas à rede de fake news.

Segundo o magistrado, o objetivo do novo inquérito é apurar “a presença de fortes indícios e significativas provas apontando a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político absolutamente semelhante àqueles identificados no Inquérito 4.781, com a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito”.

O inquérito dos atos antidemocráticos foi aberto em abril de 2020 para investigar aliados do presidente envolvidos com as manifestações que defendiam o fechamento do STF e do Congresso Nacional, além da volta da ditadura militar.

O pedido de abertura da investigação foi feito pela PGR um dia depois de o chefe do Executivo participar de uma manifestação em frente ao QG do Exército.

Em oitos meses de apuração, a partir de buscas e quebra de sigilos bancário e telemático, a Polícia Federal coletou informações sobre influentes nomes do bolsonarismo, como o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, o blogueiro Allan dos Santos e o empresário Otávio Fakhoury.

A PF defendeu o aprofundamento das investigações em dezembro. A Procuradoria, por sua vez, levou cinco meses para se pronunciar e seguiu linha contrária à da polícia. O órgão pediu ao Supremo o arquivamento do caso perante o tribunal. A manifestação ocorreu às vésperas da abertura de vaga no STF, para qual o procurador-geral da República, Augusto Aras, quer ser indicado.

O ministro determinou que as investigações no inquérito a ser instaurado deverão ser presididas pela equipe chefiada pela delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro, encarregada dos inquéritos dos atos antidemocráticos, em virtude da conexão probatória existente com o inquérito das fake news.

Na decisão publicada nesta quinta, Moraes cita que, entre outros pontos, a PF apurou a atuação de Allan dos Santos, do canal bolsonarista na internet Terça Livre, “como ponto de referência para a construção do discurso” pelo fechamento das instituições e pelo fim da democracia.

O ministro disse que Allan detém “uma efetiva estrutura empresarial extremamente lucrativa, a partir da monetização de conteúdo divulgado pela rede mundial de computadores”.

Moraes ainda mencionou a “atuação satélite de seus sócios aparentes e ocultos, além de agentes políticos e servidores aderentes às suas ações”.

O ministro aponta ainda a criação de dois grupos de WhatsApp como prova que o youtuber “coordenou diversas pessoas com aparente potencial para a propagação de suas ideias contra a Constituição Federal, a Democracia e ao Estado de Direito”.

O assessor especial da Presidência, Tercio Arnauld, confirmou à PF que foi incluído nos grupos por Allan. Já o deputado Eduardo Bolsonaro afirmou à corporação que não se recorda de ter sido incluído no grupo, mas confirmou que participou de reuniões na residência do blogueiro, assim como a deputada Bia Kicis (PSL-DF).

O filho do chefe do Executivo é mencionado 12 vezes na decisão.

O ministro cita conversas no aplicativo entre o parlamentar e o youtuber em que articulam uma campanha contra o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (sem partido-RJ).

“Tais elementos indicam motivação política em atacar determinado deputado federal, Presidente da Câmara dos Deputados, com a construção artificial de compartilhamentos, instigados pela transmissão no Canal Terça Livre”, disse Moraes.

Segundo o ministro, a “atuação ativa” de Allan “em conjunto com uma séria de parlamentares, atores do universo das redes sociais e outros defensores do rompimento institucional” constitui um dos objetos necessários de futura investigação.

Moraes diz que o youtuber “tentou influenciar e provocar um rompimento institucional” em protestos públicos entre abril e maio do ano passado e que fez isso “a partir da posição privilegiada junto ao Presidente da República e ao seu grupo político, especialmente os deputados federais Bia Kicis, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), Daniel Lúcio da Silveira (PSL-RJ), Carolina de Toni (PSL-SC) e Eduardo Bolsonaro.

O ministro cita, ainda, a influência que Allan tinha na Secretaria de Comunicação do governo federal e um pedido que teria feito a Eduardo para que Julia Zanatta, que concorreu à Prefeitura de Criciúma pelo PL, assumisse a Secretaria de Radiodifusão da pasta.

O objetivo da nomeação, de acordo com Moraes, possivelmente seria para “facilitar o atendimento de interesses exclusivos do grupo”.

O ministro ainda citou a atuação de diversas páginas nas redes sociais de apoio ao presidente Bolsonaro que propagam notícias fraudulentas e disse que parte delas era administrada por assessores do governo e também de Eduardo.

Segundo o magistrado, o uso de estrutura pública para administrar páginas que divulgam ataques às instituições “pode significar a adoção de prática de forma coordenada por ordem dos políticos que mantêm tais pessoas como seus assessores, gerando, inclusive, a necessidade de apuração de eventual uso de dinheiro público para a prática de atividades ilícitas”.

Na sequência, ele afirma que o perfil Bolsonaronews, de responsabilidade de Tercio Arnaud, foi acessado mais de 50 vezes do Palácio do Planalto entre novembro de 2018 e maio de 2019.

O mesmo teria ocorrido em relação a Eduardo Guimarães, assessor de Eduardo que teria acessado a página Bolsofeios mais de 50 vezes na rede da Câmara dos Deputados.

“Ou seja, há sérios indícios de uso da rede de computadores interna do Palácio do Planalto, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, por meio de assessores de parlamentares reconhecidamente ligados ao objeto de investigação nestes autos, para divulgar ataques às instituições democráticas”, conclui.

Assim, diz o magistrado, a continuidade da apuração é necessária para verificar “se, de fato, houve uso de meios públicos para tal mister, o que agrava a imputação da conduta de quem pretende, por meios ilícitos, atacar as instituições democráticas do Brasil”.

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