O sucesso de uma vacina contra a Covid-19 dependerá não apenas da sua eficácia medida pelos testes clínicos, mas também do quão rápida e amplamente ela será aplicada, da gravidade da pandemia no momento da imunização e da vontade do público de ser vacinado.
A conclusão é de um estudo de pesquisadores das universidades de Yale e de Harvard (EUA), publicado no periódico científico Health Affairs, dedicado a políticas de saúde.
Por meio de modelo matemático, eles avaliaram quais fatores além da eficácia de diferentes vacinas podem influenciar no sucesso ou não de um programa de imunização.
Os fatores incluem:
1- Com que rapidez e abrangência a vacina pode ser produzida e administrada. Algumas vacinas apresentam desafios logísticos, como a necessidade de ser armazenadas em freezers ultracongelados ou a necessidade de duas doses, com semanas de intervalo.
2 – A parcela da população que deseja ser vacinada. Nos EUA, pesquisas sugerem que apenas 50% afirmam que receberão a vacina Covid-19. No Brasil, 73% se dizem dispostos a se vacinar, segundo pesquisa Datafolha.
3 – A gravidade da pandemia quando uma vacina for lançada. A proporção de infecções que uma vacina é capaz de evitar está diretamente relacionada à disposição do público de se envolver em comportamentos de mitigação, como o uso de máscaras e o distanciamento social.
Segundo Rochelle Walensky, co-autora do estudo e chefe da Divisão de Doenças Infecciosas do Massachusetts General Hospital (MGH), milhões de dólares já foram gastos no desenvolvimento das vacinas e as evidências preliminares sugerem que várias delas parecem ser eficazes.
Mas isso não é o bastante. “Muito mais investimento é necessário para garantir que as vacinas sejam distribuídas de forma eficiente, para promover a confiança do público na imunização e incentivar a continuidade das práticas que retardam a disseminação do novo coronavírus”, explica.
O estudo mostra, por exemplo, que a infraestrutura contribuirá tanto para o sucesso do programa de vacinação quanto a própria vacina. “Se houver atrasos na fabricação da vacina ou na implementação [dos programas de imunização], os benefícios à população diminuirão rapidamente”, diz David Paltiel, professor de saúde pública da Yale.
O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) tem sido alvo de críticas por causa do atraso do Brasil na vacinação contra a Covid. Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e países europeus iniciaram campanhas de vacinação. Na América Latina, países como México, Costa Rica, Chile e Argentina também já estão imunizando grupos prioritários.
No sábado (26), o presidente Bolsonaro disse que não dá bola para pressões pelo início da imunização. Na terça (29), o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, rebateu críticas de que haja demora do governo em fechar acordos com laboratórios para obter vacinas e disse que não pode “pegar a Pfizer pelo braço” e pedir que a empresa entre com pedido na Anvisa.
Segundo o site da Anvisa, não houve pedido de autorização emergencial ou registro por parte de nenhuma empresa farmacêutica.
“Nossa capacidade de produzir impacto depende muito do quão rápido seremos [para começar a campanha e para a capacidade de vacinados por dia], do sucesso em chamar as pessoas para a vacinação conforme as prioridades e da intensificação das medidas de isolamento”, afirma Claudio Maierovitch, médico sanitarista da Fiocruz Brasília que já presidiu a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária entre 2003 e 2005.
Para os autores do estudo, mensagens públicas poderosas e estratégias de implementação da vacina em nível local também são necessárias para ajudar a superar o ceticismo sobre as vacinas, especialmente em populações carentes.
Bolsonaro tem levantado dúvidas sobre a eficácia e eventuais consequências causadas por vacinas contra a Covid-19. No entanto, estudos clínicos até o momento não identificaram efeitos colaterais graves.
O estudo da Health Affairs mostrou que mesmo uma vacina altamente eficaz terá dificuldades para controlar o Covid-19 se as taxas de infecção continuarem aumentando.
No Brasil, a taxa de contágio (RT) estava em 1,13, segundo monitoramento do projeto Info Tracker (Unesp e USP) divulgado no dia 20. Isso significa que cada grupo de 100 pessoas infectadas no país contamina outras 113. Segundo projeção do grupo, na primeira semana de janeiro (entre os dias 4 e 10), o Brasil atingirá 8 milhões de casos confirmados e a marca de 200 mil óbitos.
“Se eu tiver um copo d’água, posso apagar o fogo do fogão. Mas não posso apagar um incêndio florestal, mesmo que a água seja 100% potente”, compara Walensky, enfatizando o papel do público em manter a taxa de infecção baixa usando máscaras e praticando o distanciamento social.
“Sairemos disso mais rápido se você der menos trabalho para a vacina”, disse.