terça-feira, 26 novembro 2024

Vítima da Covid-19, Major Olímpio se projetou na crise do PCC, fustigou tucanos e rompeu com Bolsonaro

A população de São Paulo estava atônita em maio de 2006. Integrantes das forças de segurança eram mortos em ataques promovidos pelo PCC, maior facção criminosa do país. Em meio ao clima de terror e tantas dúvidas, a certeza era a de que a versão oficial não trazia toda a realidade.
Foi nesse cenário de fragilidade da polícia e abalo da imagem de força do próprio estado que o então desconhecido major Sérgio Olímpio Gomes encontrou o caminho que, mais tarde, acabou por fortalecê-lo nas urnas: criticar abertamente o Governo de São Paulo.
Senador eleito pelo PSL em 2018, Major Olímpio morreu, aos 58 anos, após ser vítima da Covid-19. Na tarde desta quinta-feira (18), a morte cerebral dele já havia sido anunciada em sua conta em rede social abastecida pela família, com aviso de que os parentes aguardariam 12 horas para a confirmação do óbito –oficializada nesta sexta (19).
Uma carreata sairá do Hospital São Camilo (Santana) a caminho do Cemitério e Crematório Primavera (Guarulhos), onde serão realizadas as homenagens ao senador. Em seguida, o corpo seguirá para o ritual de cremação, reservado apenas aos familiares.
O parlamentar, que faria aniversário neste sábado (20), anunciou em 2 de março que havia contraído a Covid-19. No dia seguinte, foi internado no Hospital São Camilo, em São Paulo, de onde chegou a participar de uma sessão virtual do Senado.
Olímpio deixa a mulher, Cláudia, e dois filhos, Fernando e Mariana.
Segundo amigos do senador, ele não tinha nenhuma doença pré-existente, como diabetes ou outras comorbidades. Só reclamava, de vez em quando, de dores das costas (em especial após pequenas corridas que costumava praticar) e do estresse das disputas políticas.
Defensor da Lava Jato e um dos principais nomes de São Paulo na campanha de Jair Bolsonaro em 2018, Olímpio acabou se tornando posteriormente um crítico do presidente e de seus filhos. Mas seu alvo predileto de ataques mais recentes era o governador paulista, João Doria (PSDB).
No mês passado, em Bauru (SP), o senador chegou a participar de um ato contra Doria e a imposição de um lockdown para conter a pandemia. Ele estava ao lado da prefeita, Suéllen Rosim (Patriota), e do dono das lojas Havan, o bolsonarista Luciano Hang.
O primeiro suplente dele no Senado é o empresário Alexandre Giordano, que, com a morte do titular da vaga, deverá assumir a cadeira como um dos três representantes de São Paulo na Casa.
No mês passado, Olímpio também fez discurso com ataques ao Planalto pela atuação na pandemia e apontou haver “negacionismo criminoso” de Bolsonaro e do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Bem antes disso, ainda como oficial da ativa da PM de São Paulo, Olímpio criticava erros do governo paulista na condução da crise do PCC, entre eles não informar a tropa sobre os reais riscos de represália dos criminosos em razão da transferência da cúpula da facção ao interior do estado. “Os presos mandam de fato dentro e fora das penitenciárias”, disse à Folha.
Essa projeção possibilitou que Olímpio rompesse o cordão umbilical com o coronel Ubiratan Guimarães, o principal responsável pela entrada de Olímpio na política partidária.
Não é algo comum, inclusive nos dias atuais, um oficial na ativa da PM criticar o governo. Por isso, esse comportamento de Olímpio chamou a atenção especialmente dos colegas de farda. Já naquele ano de 2006, pelo PV, ele conseguiu se eleger deputado estadual, com 52.386 votos.
Era a terceira tentativa: em 2002, disputou uma vaga a deputado federal e, em 2004, para vereador, ambas as vezes pelo PPB (atual PP) e igualmente sem sucesso. Nessas duas anteriores, Olímpio orbitava na força política do coronel Ubiratan, oficial responsável pela operação que deixou 111 mortos, em 1992, no Carandiru.
Guimarães havia sido comandante de Olímpio na PM, quando se tornaram amigos. O coronel também virou sócio da mulher do ex-subordinado em empresa de segurança particular, alvo de críticas de colegas.
Com a imunidade parlamentar, que o livrava de eventuais represálias da corporação, Olímpio ampliou o nível das críticas ao governo e modos de atuação.
Virou referência e uma espécie de representante da classe policial, incluindo os agentes penitenciários, carreira que Olímpio tinha apreço por conta do pai, Deraldo, morto em 2016, que também foi agente penitenciário.
Conseguiu se reeleger em 2010 com mais do que o dobro de votos, 135.409, já pelo PDT. Chegou a ser cotado naquele ano como vice na chapa do petista Aloizio Mercadante ao Governo de São Paulo, mas o nome não foi muito bem recebido entre integrantes dos dois partidos.
Algo parecido aconteceu em 2014, quando foi cotado como pré-candidato ao governo estadual pelo PDT, mas retirou a candidatura quando o partido decidiu apoiar o nome de Paulo Skaf, do PMDB. Disputou então uma vaga à Câmara Federal e conseguiu 179.196 votos.
Em 2015, filiou-se ao PMB (Partido da Mulher Brasileira), mas sua permanência não durou muito, por divergência com o comando do partido. Seguiu para o Solidariedade em 2016, legenda pela qual disputou a Prefeitura de São Paulo. Ficou em sexto lugar, com apenas 116.870 votos.
Em 2018, quando entrou para o PSL, fez parceria vitoriosa com Bolsonaro e se elegeu senador. Pouco antes das eleições, dizia-se confiante e exaltava o apoio de praticamente todos os outros policiais candidatos no estado de São Paulo. Foi eleito com mais de 9 milhões de votos, em primeiro lugar.
Uma das estratégias mais eficientes de Olímpio foi a caixinha de som portátil que costumava levar para eventos com a participação de governadores. O parlamentar chegava arrastando sua “arma” e, com o microfone na mão, passava a distribuir suas críticas.
Essas intervenções passaram a viralizar nas redes sociais, compartilhadas por policiais e adversários políticos dos tucanos. José Serra e Geraldo Alckmin foram seus principais alvos iniciais.
Em um desses eventos, já em 2017, em São Carlos, os gritos de Olímpio conseguiram desestabilizar o sempre calmo Alckmin, que, exaltado, partiu para o ataque.
“Quero fazer uma pergunta para vocês. Alguém aqui ganha R$ 50 mil do povo de São Paulo? É ele que está gritando. Ele ganha R$ 50 mil, devia ter vergonha, vergonha de vir aqui, R$ 50 mil do povo de São Paulo. Tenha vergonha, deputado. Não pode olhar no rosto dos brasileiros de São Paulo, R$ 50 mil por mês. Vergonha.”
Outro dos atos que deram projeção a Olímpio foi quando gritou “vergonha” durante a posse de Lula como ministro de Dilma Rousseff (PT), em 2016. A foto de uma petista tentando tapar a boca do então deputado também viralizou, distribuída pelo próprio parlamentar como um feito heroico.
No último ano, em especial, o principal alvo do senador passou a ser João Doria. Em março do ano passado os dois quase trocaram agressões durante evento em um departamento da Polícia Civil. Olímpio tentou invadir o evento, para denunciar supostos desrespeito a policiais, e foi impedido pelo governador.
O senador foi contido pelos seguranças de Doria e levado para fora do prédio. Na ocasião, também estava com a famosa caixa de som.
Olímpio tinha ao menos duas frustrações, segundo os amigos. Primeiro, por não ter recebido uma medalha como primeiro lugar de sua turma na escola de oficiais do Barro Branco. Foi punido por se envolver em uma farra no último dia de aula e, por isso, não foi agraciado com a honraria.
Pelo mesmo episódio foi também foi punido com 25 dias de prisão, mancha em sua ficha policial que acabou atrapalhando em sua carreira dentro da Polícia Militar.
Ele cursou a escola de oficiais de 1976 a 1982, desde a adolescência, período em que, segundo ele, viveu períodos de muita solidão, já que a família era de Presidente Venceslau, distante a mais de 600 km da capital paulista.
Outra frustração foi não ter conseguido ser governador de São Paulo, seu grande sonho. Dizia querer tratar os funcionários públicos com mais dignidade.
Nos últimos meses também demonstrou estar chateado com colegas da polícia, após ser criticado pelos ataques a Bolsonaro. Disse que não representaria mais a classe policial e que o traidor, termo pelo qual foi chamado, era o presidente.
“Eu não gosto de ladrão. Para mim, ladrão de esquerda é ladrão. De direita, é ladrão. Se for filho do presidente ladrão roubando junto com o presidente, eu vou dizer”, disse Olímpio em um áudio de WhatsApp compartilhado em um grupo de policiais.
Algo que também o diferia da maioria dos oficiais da Polícia Militar era criticar, em público, alguma irregularidade da corporação.
Fez isso, por exemplo, no episódio envolvendo o então tenente-coronel José Afonso Adriano Filho, suspeito de comandar esquema de desvio de verbas por meio de licitações fraudulentas e empresas fantasmas, caso revelado pela Folha.
“Eu digo que é impossível, pelo sistema de controle que nós temos, o controle orçamentário da própria polícia, o coronel Adriano ter feito ou perpetrado tudo isso sozinho. Impossível”, disse em 2015.
Senado Antes de Olímpio, outros dois senadores já morreram em decorrência da Covid-19 ou de complicações da doença: José Maranhão (MDB-PB), em fevereiro, e Arolde de Oliveira (PSD-RJ), em outubro.
Entre o fim de fevereiro e início de março, o Senado registrou uma série de casos de infecção pelo novo coronavírus. O pico de casos coincidiu com o período após a romaria de prefeitos que se deslocaram a Brasília para negociar com os parlamentares emendas no orçamento para suas regiões.
O presidente do Senado e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), lamentou a morte de Major Olímpio e decretou luto oficial de 24 horas no Senado Federal. Políticos aliados e também adversários expressaram pesar e destacaram sua fidelidade aos princípios e disposição para o debate.
O presidente Jair Bolsonaro cancelou sua ida ao Congresso Nacional após a divulgação da notícia. Ele iria ao Legislativo no fim da tarde desta quinta para entregar a MP (medida provisória) que cria a nova rodada do auxílio emergencial. Em sua live semanal, porém, não fez comentários sobre Olímpio. (FOLHAPRESS)

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