domingo, 6 outubro 2024

HQs colocam orixás e ex-escravos como protagonistas

Em 2017, o então pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro disse que visitou um quilombo onde “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas” e que, uma vez no governo, “não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”. No mesmo ano, Marcelo D’Salete pulicou a HQ “Angola Janga” após uma pesquisa de dez anos sobre o quilombo de Palmares. 

Em 2019, a Polícia Civil de São Paulo recebeu o dobro de notificações de crimes de intolerância religiosa em relação ao ano passado -sobretudo ataques contra religiões de matriz africana. Ao mesmo tempo, Hugo Canuto lançou “Contos dos Orixás”, HQ que adapta lendas do candomblé com verniz de super-herói. 

O que pode parecer coincidência não é encarado necessariamente assim pelos quadrinistas. “O contexto histórico faz as coisas tomarem o seu caminho”, acredita Canuto, que publicou o quadrinho sobre os orixás após dois financiamentos coletivos. 

No primeiro, arrecadou R$ 40 mil; no segundo, ultrapassou R$ 150 mil -o que fez a HQ saltar de 60 para 120 páginas. Nelas, Canuto conta visualmente o surgimento e as lendas que rondam entidades como Iansã, Oxóssi e Oxum. 

“Cada gesto, cada cor tem seu significado. Fui, por exemplo, estudar nos terreiros como Xangô se movimenta na dança para ilustrar como ele se move na HQ”, explica. 

Ao lado de Marcelo D’Salete, o quadrinista falou sobre histórias em quadrinhos com perspectivas negras na Flica, a Festa Literária Internacional de Cachoeira, que ocorreu no mês passado na cidade histórica do Recôncavo Baiano. 

“Angola Janga” não é a única HQ de D’Salete sobre a luta de negros no Brasil colonial contra a escravidão. Se esse quadrinho surge a partir de uma pesquisa sobre Palmares, em 2014 o autor publicou “Cumbe”, uma aventura sobre a batalha de negros contra a sociedade escravocrata. A revista foi traduzida nos Estados Unidos e ganhou no ano passado o Eisner, prêmio considerado o Oscar dos quadrinhos. 

“O contexto em que vivemos hoje no Brasil gera um outro nível de leitura dessas histórias, principalmente a partir de um governo baseado no culto à violência”, acredita. 

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