Por Gaudêncio Torquato
Governantes das mais diferentes ideologias dão efetiva contribuição à degenerescência da arte de governar, pela qual Saint Just, um dos jacobinos da Revolução Francesa, já expressava, nos meados do século 18, grande desilusão: “Todas as artes produziram maravilhas, menos a arte de governar, que só produziu monstros.” A frase se destinava a mostrar o perfil dos ditadores. Hoje, a insanidade continua a pavimentar o caminho dos governantes. Canalhice, mediocridade, vaidade, ignorância, hipocrisia, populismo inundam os espaços públicos.
Lembram-se de Silvio Berlusconi, na Itália, flagrado em suas festas “bunga-bunga”, que abrigava a prostituição de 26 garotas a ele levadas por uma rede de quadrilha e prostituição? Berlusconi se prepara para reentrar no cenário político. Lembram-se dos famosos flagrantes de dólares na cueca envolvendo figuras de nossa política?
Vladimir Putin exibe para a comunidade um perfil atlético de esportista e se mostra um denodado defensor da soberania russa, mas há mais de três meses fustiga a Ucrânia, deixando em cinzas o território de um-satélite da ex-URSS. Motivo? Quer integrar partes do país à Rússia. Uma superpotência mundial destruindo um vizinho, sob o olhar perplexo do mundo.
A mais recente cena que causou estupefação no planeta foi o assassinato de Genivaldo de Jesus Santos, um homem negro, detido pela Polícia Rodoviária Federal por não usar capacete, forçado a entrar no porta-malas de um carro, onde os policiais jogaram uma bomba de fumaça. Um ato que lembra a câmara de gás dos campos de concentração nazistas.
Lembram-se de Pedro Aleixo, vice-presidente do marechal Costa e Silva. Referindo-se ao AI-5, dizia: “o problema de uma lei não é o senhor (Costa e Silva), nem os que governam o país com o senhor. O problema é o guarda da esquina”. O que explica a propensão de homens públicos a assumirem o papel de atores de peças vis, cerimônias vergonhosas e, ainda, abusarem de linguagem chula, incongruente com a posição que ocupam? O que explica a imagem de parlamentares mexendo no orçamento para inundarem com recursos o pleito eleitoral? Governantes cooptando apoio parlamentar com o anzol da grana? A resposta: a despolitização e a desideologização, o baixo nível de institucionalização do país, a secular cultura política, fatores que, no Brasil, ganham expansão na esteira da deseducação das massas. Os mecanismos tradicionais da democracia liberal, aqui e alhures, estão degradados. Retomo, aqui, o paradigma do “puro caos”, que o professor Samuel Huntington (Harvard, EUA) identifica como fenômeno contemporâneo e que se ancora na quebra no mundo inteiro da lei e da ordem, nos cartéis de drogas, na destruição das famílias, em ondas de criminalidade, enfim, no declínio da confiança na política.
Os exemplos estão em toda a parte. Como se pode exigir respeito dos cidadãos se os dirigentes não são o melhor espelho para refletir padrões de comportamento? Atravessamos um dos mais conturbados ciclos da política. A imagem de Saint Just, que abre este artigo, cutuca nossa consciência e corrobora o fato de que a arte de governar tem sido um laboratório de monstros. O que fazer para limpar a sujeira que borra a imagem da política? A reengenharia voltada para o resgate da moral é tarefa para mais de uma geração. Primeiro passo: o homem público deve cumprir rigorosamente o papel que lhe cabe. Segundo: os que saem da linha e descumprem a lei serão punidos. Terceiro: revogam-se as disposições em contrário.