sábado, 4 maio 2024

Após 31 anos, Celso de Mello deixa o STF

Bravo, Celsinho!” Essa foi a manchete do jornal Integração, de Tatuí (SP), em 18 de junho de 1989, ao noticiar que o Senado confirmara o nome de José Celso de Mello Filho para compor o Supremo Tribunal Federal. 

Para os conterrâneos de Tatuí, localizada a 131 quilômetros da capital paulista, quem vai se aposentar na próxima terça-feira (13) não é apenas um membro do STF. É o “ministro tatuiano”, como o decano é conhecido por lá. 

A aposentadoria alimentou a expectativa de seu retorno definitivo à cidade. “Preciso cuidar-me e concluir o tratamento médico. Essa é, no momento, a minha prioridade”, diz Celso de Mello. 

Em 2013, o advogado José Rubens de Alencar Lincoln reformou seu escritório em Tatuí pensando em dividi-lo com o amigo de infância. A PEC da Bengala -que fixou em 75 anos a aposentadoria compulsória dos juízes dos tribunais superiores-, adiou o projeto. Agora, Celso vai doar livros de sua coleção para o escritório do advogado. 

Em toda a sua trajetória, o ministro manteve Tatuí como referência. Recebia advogados, promotores, magistrados e amigos no Café Canção, na praça da Matriz, onde tomava sorvete ou Schweppes com suco de limão. Nas visitas à cidade, costumava se reunir com políticos locais e autoridades municipais. 

Nos finais de semana, dispensava o carro oficial em Brasília. Quando viajava a São Paulo, pagava as passagens de avião. Seu Jorginho (Jorge Luiz Soares de Mello, 70), taxista de Tatuí, buscava e levava o ministro ao aeroporto de Congonhas. O ministro pagava a viagem de retorno, para o condutor não ter prejuízo. “É uma pessoa muito legal”, diz Jorginho. 

Essa correção e austeridade são tidas como características que o distinguem. 

O ministro reservava “furos”, notícias exclusivas, para o amigo José Reiner Fernandes, editor do Integração. O jornal irá perder seu “correspondente” em Brasília. 

No julgamento do mensalão, quando se sentiu pressionado antes de votar a favor dos embargos infringentes -que deram a réus a chance de novo julgamento em alguns crimes- Celso de Mello enviou, em primeira mão, seu desabafo para o editor do Integração, que estava na Suíça. 

“Nunca presenciei um comportamento tão ostensivo dos meios de comunicação sociais buscando, na verdade, pressionar e virtualmente subjugar a consciência de um juiz”, afirmou o decano. 

Quando foi indicado ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro enviou essa confirmação por mensagem para o WhatsApp de Celso de Mello. O diálogo só foi publicado no Integração. 

Em novembro de 2019, quando estava em julgamento a prisão após condenação em segunda instância, Celso de Mello foi alvo de ataques pela internet. Uma mensagem chegou a sugerir que o ministro não aparecesse mais na cidade. 

O jornal Integração registrou que “em Tatuí existe uma ‘milícia digital’, aliada ao mais odioso pensamento de extrema direita”. O editor Fernandes atribui a iniciativa a grupos bolsonaristas que pretendiam “proclamar” uma “condenação prematura” do ministro ao “exílio”. 

“Em Tatuí, a população nunca soube distinguir um ministro do STF de um ministro do Poder Executivo. Na medida do possível, ele interferia pela cidade em suas reivindicações relevantes”, diz Fernandes, explicando que Celso de Mello acompanhava de perto a vida local. 

O decano obteve do então secretário estadual da Justiça Luiz Antônio Marrey verba para a construção do novo fórum da cidade. 

Fernandes levou o ministro para uma visita de surpresa a uma delegacia, em situação precária. No caminho, Celso comentou que deveria ser a primeira vez que um ministro do STF visitava uma delegacia. 

Fernandes diz que o serviço de documentação do Supremo pediu para o jornal enviar cópias de reportagens sobre Celso de Mello. 

O ministro é filho de professores. Seu pai era diretor de colégio e muito rígido na educação do menino. Amigo do ministro desde os oito anos de idade, Lincoln arrastava Celso para traquinagens, como “apertar a campainha das casas à noite e sair correndo”, conta. 

Lincoln diz que bebia pinga e fumava. “Celso, não. Mas era divertido e brincalhão. Eu era o chefe do bando.” “Jogávamos futebol em terrenos baldios. Fui péssimo jogador, Celso conseguia ser pior do que eu nas peladas. É a pessoa mais leal e honesta que conheci.” 

Celso de Mello estudou piano e teoria musical no conservatório de Tatuí. Tocou em uma banda da cidade. 

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