sábado, 27 abril 2024

MPF denuncia três autoridades por colaborar com a ditadura

O MPF (Ministério Público Federal) denunciou três autoridades do regime militar pela morte do militante político Olavo Hanssen em maio de 1970 e a omissão nas investigações sobre o crime.

O ex-delegado Josecir Cuoco é acusado por homicídio duplamente qualificado, enquanto o procurador da Justiça Militar aposentado Durval Ayrton Moura de Araújo e o juiz da Auditoria Militar aposentado Nelson da Silva Machado Guimarães devem responder por prevaricação.

Esta é a primeira denúncia do MPF contra membros do Ministério Público e do Judiciário que atuaram para legitimar as práticas da ditadura. É a 38ª denúncia nos últimos seis anos em todo o país envolvendo crimes relativos à ditadura.
Hanssen morreu após ser submetido a intensas sessões de tortura nas dependências do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), no centro de São Paulo.

Ele foi preso em 1º de maio de 1970 enquanto entregava panfletos numa celebração intersindical em comemoração ao Dia do Trabalhador na Vila Maria, zona leste da capital.

Integrante de um movimento operário trotskista, o militante já havia sido detido em outras quatro ocasiões durante a ditadura, sempre por entregar materiais gráficos considerados “subversivos”.

As sessões de tortura ocorreram entre 2 e 8 de maio sob o comando do então delegado Josecir Cuoco e com a participação do chefe da equipe de interrogatórios preliminares do Dops, Ernesto Milton Dias, e do investigador Sálvio Fernandes do Monte, ambos já falecidos.

O trio queria informações sobre as atividades do movimento operário do qual Hanssen fazia parte e a localização da gráfica onde panfletos e jornais do grupo eram impressos. Sem conseguir romper o silêncio da vítima, os agentes tornavam as agressões cada vez mais brutais.

No dia 5 de maio, Hanssen foi torturado durante mais de seis horas ininterruptas. Josecir e os demais o obrigaram a despir-se e o submeteram a afogamentos, espancamentos no “pau de arara” e à “cadeira do dragão”, assento revestido de metal onde presos políticos eram eletrocutados com pernas e pulsos amarrados, geralmente molhados e com sal na boca para aumentar os efeitos da corrente elétrica.

Choques também foram aplicados com o aparelho conhecido como “pianola Boilesen”, cujas teclas liberavam diferentes cargas de energia.

Segundo testemunhas, levado de volta à cela, Hanssen estava atordoado, urinava sangue e apresentava ferimentos por todo o corpo. Um médico foi chamado a pedido dos demais presos, mas nada fez além de medidas paliativas.

Apesar do agravamento do quadro nos dias seguintes, os agentes o torturaram novamente no dia 8, quando, provavelmente já em coma, ele foi encaminhado para o Hospital do Exército da 2ª Região Militar.

Hanssen morreu horas depois, na manhã de 9 de maio, por insuficiência renal aguda.

Inicialmente, os órgãos policiais criaram uma versão falsa indicando que Hanssen teria morrido por causas naturais e que seu corpo havia sido encontrado em um terreno baldio.

Porém, diante das pressões de parlamentares e da opinião pública, forjou-se uma nova versão, segundo a qual a vítima teria se suicidado com veneno e falecido no hospital do Exército, e determinou-se a instauração de um inquérito.

Durval de Araújo e Nelson Guimarães atuaram diretamente para o desfecho do inquérito. O primeiro, representante do Ministério Público Militar, descartou a necessidade de mais diligências e limitou-se a endossar o teor do relatório policial emitido pouco mais de três meses depois do crime.

Baseando-se em laudos periciais forjados e sem efetiva apuração, o documento narrava que Hanssen havia se suicidado com a ingestão de pesticida agrícola.

A sentença proferida por Guimarães em novembro de 1970 também foi omissa quanto às circunstâncias da morte.

CASO É IMPRESCRITÍVEL E SE ENQUADRA COMO CRIME CONTRA A HUMANIDADE 
A morte de Hanssen é imprescritível e impassível de anistia, uma vez que foi cometida em contexto de ataque sistemático e generalizado do Estado brasileiro contra a população civil, o que caracteriza o episódio como crime contra a humanidade.

O Brasil já foi alvo de duas condenações da CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) por não dar sequência à investigação e à responsabilização dos agentes envolvidos em delitos desse tipo. A mais recente, de março deste ano, refere-se ao caso Herzog.

A anterior, de 2014, está relacionada ao desaparecimento de 62 pessoas na chamada Guerrilha do Araguaia, também na década de 1970.

As sentenças da CIDH proíbem a Justiça brasileira de barrar os processos com base na Lei da Anistia.

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