Depoentes disseram aos senadores que estiveram no Ministério da Saúde mais vez do que os registros oficiais apontam
O Ministério da Saúde entregou à CPI da Covid documentos de registros de visitas dos representantes da Davati, Luiz Paulo Dominghetti e Cristiano Carvalho, e do reverendo Amilton Gomes de Paula que contradizem depoimentos dados ao colegiado. Nos dados entregues pelo ministério, não há o registro de entradas em edifícios da pasta em datas em que os próprios depoentes afirmaram ter tido agenda lá.
Os três estão no centro da investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a tentativa de venda de supostas 400 milhões de doses de vacinas Oxford/AstraZeneca para o Ministério da Saúde por meio da empresa Davati Medical Supply.
As negociações tiveram a intermediação da entidade religiosa Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), comandada pelo reverendo Amilton. Segundo Dominghetti, o então diretor do departamento de logística do ministério, Roberto Dias, teria pedido propina de US$ 1 por dose. Dias nega. O negócio não foi concretizado.
A CPI pediu ao ministério que entregasse todos os registros de entrada de Dominghetti, Carvalho e Amilton em prédios do Ministério da Saúde ao longo de 2021 para obter mais detalhes sobre o relacionamento deles com integrantes do governo. Com base no histórico extraído do sistema de monitoramento e controle de acesso da pasta, o governo afirmou que:
- Dominghetti só esteve uma vez no Ministério da Saúde, em 26 de fevereiro, por volta das 13h39. Ele foi registrado como diretor da Davati/AstraZeneca, o que não corresponde à verdade. Dominghetti é policial militar de Minas Gerais e atuava como lobista da Davati nas horas vagas. O registro aponta que seu destino seria o “dlog”, conhecido por ser a sigla do departamento de logística;
- não há registros de entrada de Cristiano Carvalho;
- reverendo Amilton de Paula esteve duas vezes no ministério, em 2 e 4 de março, por volta das 14h37 e 14h06, respectivamente. Na primeira vez, ele teria ido à secretaria-executiva da pasta; na segunda, ao anexo – 4º andar.
No entanto, segundo os depoimentos dos próprios Dominghetti e Amilton à CPI, estas não foram as únicas vezes em que foram ao Ministério da Saúde. No caso de Carvalho, ele mesmo disse ter ido à pasta em 12 de março, ao contrário do que informou o governo.
Dominghetti afirmou à CPI ter ido ao ministério em 26 de fevereiro, um dia após o suposto pedido de propina por Dias em jantar em Brasília, o que bate com os registros disponibilizados. Porém, o policial disse à CPI ter ido à pasta três vezes “ofertando as vacinas”.
Primeira vez
A primeira vez teria sido em 22 de fevereiro em reunião com o reverendo Amilton e o então diretor do departamento de Imunização do Ministério da Saúde, Lauricio Monteiro Cruz, entre outros. Como vacinas não eram a área de Lauricio, este teria dito que encaminharia os vendedores ao então secretário-executivo da pasta, Elcio Franco, responsável por essas aquisições, contou Dominghetti.
Ainda assim, houve encontros com Roberto Dias num restaurante em 25 de fevereiro e no próprio ministério no dia seguinte. Após as negociações com Dias não prosperarem, Dominghetti voltou ao ministério junto ao reverendo Amilton, em 12 de março, para se encontrar com Elcio Franco.
Cristiano Carvalho, inclusive, estava nesta reunião de 12 de março, informaram Dominghetti, Amilton e o próprio aos senadores da CPI.
Não há, porém, o registro de entrada dos três no Ministério da Saúde nesta data nos documentos entregues pelo governo.
Antes, Amilton foi ao ministério em 2 de março, o que está de acordo com o registro apresentado, mas Dominghetti teria faltado, disse na CPI.
“Dessa forma, sem a documentação para análise, houve uma brevíssima reunião na recepção com os funcionários e assessores Flávio Werneck e Max Nóbrega. Diante da explicação de Dominghetti sobre a ausência, que foi a pane de seu carro na rodovia Belo Horizonte-Brasília, enviamos email para o Ministério da Saúde solicitando uma nova reunião”, contou Amilton.
Amilton citou em seu depoimento que, em 4 de março, teria pedido nova agenda. A reportagem questionou o Ministério da Saúde o motivo pelo qual não há mais registros de presença de Dominghetti, Carvalho e Amilton, e se houve falha humana, falha do sistema ou se utilizaram entradas privativas. Se o ministério se manifestar, este texto será atualizado.
Sem tempo de permanência e imagens
Pelo relatório entregue à CPI, não é possível saber o tempo que cada um permaneceu no ministério. No sistema, por exemplo, está computado que eles teriam permanecido apenas alguns segundos.
A justificativa do governo é que, “como medida de conter a propagação e disseminação da pandemia da covid-19, a identificação de visitantes a esta pasta se restringiram a proceder o check-in, seguido do check-out, tendo em vista que cada visitante não permanecia com o cartão de acesso e, assim, as liberações de entrada e saída foram realizadas diretamente pelo agente de vigilância”.
A CPI também pediu todas as imagens das áreas de circulação em que os três possam ter transitado, com respectivo dia e horário. No entanto, essas informações não foram fornecidas. O Ministério da Saúde argumentou que as gravações das câmeras ficam armazenadas por um prazo de 90 dias devido a “limitações relacionadas à capacidade de armazenamento dos softwares do sistema de circuito fechado de TV”.
Como os acessos de Dominghetti, Carvalho e Amilton ao ministério foram anteriores a 90 dias contados desde julho, “resta impossibilitada a recuperação e disponibilização das imagens”, disse a pasta.
A solicitação da CPI ao ministério sobre os registros foi formalizada em 15 de julho. A resposta ficou disponível para consulta no portal da CPI nesta segunda-feira (9).